Tereza Bettinardi*
Novembro foi o mês em que lemos e debatemos no Clube do Livro do Design o livro A Forma do Livro – Ensaios sobre Tipografia e Estética do Livro, escrito pelo tipógrafo e designer alemão Jan Tschichold (1902–1974). A escolha deste livro para encerrar esta primeira temporada do Clube não foi por acaso. Além da minha relação pessoal com o tema [trabalhando com design editorial há quase 15 anos], este livro também é um excelente ponto de partida para discutir a fascinante biografia de Tschichold.
Tschichold foi, em momentos distintos, um expoente das duas grandes correntes estéticas que dominaram a tipografia do século XX: a ousada “nova tipografia” e os princípios da tipografia clássica, orientada pelas convenções seculares em vigor desde a Renascença. Depois de ser perseguido pelo regime nazista e partir para o exílio na Suíça, Tschichold também trabalhou na reformulação do design da série de livros de bolso da editora Penguin.
Nesta coletânea de ensaios, escritos de 1937 até sua morte, Tschichold reconsidera seus postulados da juventude e volta-se ao estudo e reflexão a respeito da tipografia tradicional e aos layouts de composição simétrica. O livro só seria traduzido para o inglês, por Robert Bringhurst (autor de Elementos do estilo tipográfico), em 1991, e publicado no Brasil em 2007. Em mais de vinte textos críticos sobre temas gerais da prática do design gráfico e especificidades tipográficas, Tschichold procura sistematizar a intuição, descrevendo vigorosamente os parâmetros de qualidade de uma boa composição. Para ele, somente um impresso que honra a tradição do livro europeu é capaz de emergir de prateleiras e mais prateleiras de modismos injustificados. Ou seja, o design de qualidade teria origem na pesquisa histórica e na análise científica de tudo que já foi feito. E a inovação pela inovação não passaria de um capricho.
Como bem apontou a designer Flora de Carvalho, no texto enviado aos participantes do Clube na newsletter, em diversas passagens, a leitura de A Forma do Livro pode se tornar um exercício angustiante: “é possível chegar a esse nível de experiência e precisão? Ainda mais depois de 2020, o ano da abolição do planejamento? Para evitar a crise, sugiro que você pense nestes ensaios como fábulas de uma época distante, na qual era possível alcançar algum tipo de controle”. Neste sentido, tal constatação foi quase que unânime entre os participantes.
No entanto, é inegável o valor do esforço e determinação do tipográfico alemão em registrar, documentar e refletir sobre os diversos elementos que compõem uma página: a relação entre tamanho da página e mancha de texto, margens e alinhamento, corpo e entrelinha, espaço entre palavras e entre letras, forma e contraforma, branco e preto, papel e tinta. Como bem analisou Flora de Carvalho: “como bom explorador, Tschichold dedicou grande parte de sua carreira a observar e descrever as relações de proporção que encontrou em sua jornada – como Darwin observando Galápagos, ou Galileu olhando para o céu” que complementa: “os textos de Tschichold servem para nós, designers do século 21, como ponto de ancoragem ou de partida, porque associam criatividade a método, e não a genialidade. Segundo esses textos, o terror da página em branco, seria diluído se considerássemos combinações e estratégias preexistentes”.
Durante os últimos meses, formamos um grupo com mais de 300 pessoas, entre designers, educadores, estudantes e entusiastas do design e da comunicação visual. Pudemos entrar em contato com realidades muito distintas: de São Luís, Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro… e aprendemos a ouvir e discordar respeitosamente. Mais do que um grupo de apaixonados pela profissão e pelo ofício de projetar, este grupo também serviu como uma valiosa rede de apoio e troca durante o isolamento. Os livros — tais como as importantíssimas contribuições de Tschichold — foram apenas um ponto de partida… e esperamos que as descobertas e trocas não acabem.
*Designer gráfica, criadora do Clube do Livro do Design