Nesta resenha, Maria Louzada, do perfil de Instagram @vidabrevelivrosdemais, escreve sobre A Nebulosa:
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) escreveu mais de vinte romances, entre eles o popularíssimo e delicioso romance de costumes da sociedade carioca: A Moreninha, seu primeiro livro, publicado em 1844. Ele nasceu em Itaboraí, formou-se em medicina, foi deputado, foi professor do Colégio Pedro II, fundou uma revista (“Revista Guanabara”) ao lado de Gonçalves Dias, e exerceu o ofício da pena, como se dizia em seus tempos que foram os do período imperial do Brasil. De talento versátil, escreveu, afora os romances, também: teatro, memórias, e enveredou pela poesia; aqui se destacando A Nebulosa (1857), que obteve enorme sucesso quando do seu lançamento, saudado pela crítica especializada de então como “obra primorosa”.
A Nebulosa é um poema em forma narrativa, composto de seis cantos e um epílogo, grande parte em versos decassílabos brancos, apurados em efeitos que nos conduzem à representação do Romantismo, escola literária de sua época.
O tom vai bem além da forma de apenas uma “harpa sonora” a que se refere casualmente no primeiro canto, pois, embora tenha o mar como cenário marcante, à narrativa poética se debruçando no que tange aos mistérios das ondulações das ondas, um Trovador (personagem central do poema) se insere na linguagem em metamorfose entre amor e melancolia, com efeitos dramáticos. Expondo um triângulo amoroso, a poesia lírica, os versos em tratamento metrificado expõem uma alma de história vívida num universo que se vai desenrolando quase onírico por entre fadas, por entre feiticeiras. A acuidade dos seus versos traz um quadro quase elegíaco, um mundo perdido, o exílio. Acima de tudo, o poema é dedicado em narrativa, antes de todas as divindades clamadas como musas do estilo, antes da métrica empregada, o poema é dedicado a contar de um amor, de uma paixão trágica que, como se expressa no canto VI da “Harpa Quebrada” nos versos LVI, antes do epílogo, na ênfase do amor assim definido como: “um desses beijos que uma vida pagam.”
A literatura na sua poética romântica aportou no Brasil criando uma identidade miticamente povoada por peregrinas, flores, pelo mancebo trovador, pela mãe que transcende em amor, uma influência que também vinha de terras longínquas, tentando encontrar um caminho que levasse ao âmago de uma terra própria, tropical que necessitava, antes de tudo, conhecer-se. Assim, neste seu momento, o autor Joaquim Manuel de Macedo formulou nos monólogos de seus personagens, nos seus diálogos e em suas longas e trabalhadas descrições a trágica angústia dos sentimentos que não conseguem ser resgatados, a dificuldade humana perante os próprios sentimentos, tudo em singular contraste com nossa exuberante natureza, onde em seus elementos mais puramente autênticos, reina em imagem, em som, em olfato tudo que faz transbordar: a dor, a paixão, a morte, a própria vida se espelhando. Divindades são evocadas, são chamadas das fontes naturais para dar voz muitas vezes a tudo o que se desenrola.
Os estudiosos de literatura brasileira encontrarão aqui aspectos de uma reflexão da obra minuciosa construída em oficio de escritor por Joaquim Manuel de Macedo, um de nossos melhores. Aos leitores, por entre o “correram anos” (do poema) desde a primeira edição da obra em 1857, e depois a segunda edição (pós 1878) pela Garnier, da Rua do Ouvidor, de um Rio de Janeiro histórico agora, ficam as possibilidades de extrair uma leitura ampla da primeira geração romântica da literatura brasileira inspirado em um profundo arcano de amor, e também, aqui, qualquer brecha do gótico que se insere singularmente para leituras atentas, este tão amplamente apreciado em nossos dias presentes.
A presente edição, a terceira, num novo milênio, com capricho, traz-nos um enriquecedor estudo crítico da obra pela doutora em Teoria e História Literária: Ângela Maria Gonçalves Da Costa, além de ilustrações do artista plástico Kaio Romero.