Por Renata de Albuquerque*
Augusto de Campos completa 90 anos neste fevereiro em que não houve carnaval. O poeta fez sua estreia literária há exatos 50 anos com O Rei Menos o Reino. E, no ano que vem, o essencial Viva Vaia completa meio século desde sua primeira publicação. Mas as efemérides não são simples comemorações de fatos estáticos, de datas comemorativas passadas. Augusto de Campos e sua poesia vivem o agora, no sentido mais radical da contemporaneidade.
Suas críticas ao governo atual são apenas um dos exemplos que mostram que o poeta não é “apenas” um artista que vive de glórias passadas, mas, ao contrário, que continua alimentando-se de uma inquietação profunda, que transborda em sua obra, como já transbordava na juventude, em poemas como “Greve” (1962) e em suas escolhas como tradutor: Ezra Pound, e.e.cummings, Vladimir Maiakovski, Jorge Luís Borges e Gertrude Stein, entre tantos outros. Para o poeta, traduzir é recriar em outra língua. E essa visão artística também tem ecos profundos na tradição brasileira de tradução, que aponta saídas inusitadas e ao mesmo tempo tão genuinamente brasileiras a expressões estrangeiras, sem abrir mão do estilo.
Poesia Concreta
A natureza de sua obra – a poesia concreta, cujo manifesto Noigandres marcou de maneira profunda a poesia brasileira – trazia a literatura para perto das artes plásticas, gráficas e visuais, além de criar vínculos com a palavra falada muito antes dos podcasts e do Youtube existirem. Tanto assim que Viva Vaia, em sua edição atual, acompanha um CD, mídia que pode tornar-se streaming a qualquer tempo, sem abrir mão do conteúdo que provocou sua existência. Um artista multimídia antes mesmo de o termo surgir.
Grandes movimentos artísticos brasileiros ou foram resgatados por Augusto de Campos (como o Modernismo) ou foram, de certa forma, chancelados por ele (Caetano Veloso conta que mostrava a Augusto de Campos larga parte de sua produção tropicalista). Em seus 90 anos, artistas tão diversos quanto Arnaldo Antunes, Tom Zé, Adriana Calcanhoto prestam sua homenagem ao poeta, em diversos eventos (inclusive virtuais).
Sua conta no Instagram (@poetamenos) tem mais de 23 mil seguidores – uma mostra de que a idade não é razão para não se renovar. Nela, o poeta faz experimentações verbivocovisuais que apontam para o futuro, com uma curiosidade de quem, definitivamente, não quer parar no tempo de seus 90 anos.
*Jornalista, Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH/USP, autora da Dissertação Senhoras de Si: o Querer e o Poder de Personagens Femininas nos Primeiros Contos de Machado de Assis.