Benedito Lima de Toledo mostra como a escola nascida na Europa foi aprimorada no Brasil
José Maria Mayrink | O Estado de S. Paulo | 17.2.2013
A história, costumes e arte se mesclam, se completam e se explicam nas páginas de Esplendor do Barroco Luso-brasileiro, de Benedito Lima de Toledo, professor titular de História da Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo. Ao longo dos últimos 50 anos esse paulistano do bairro da Liberdade fez com dedicação e gosto, no Brasil e em Portugal, estudos e pesquisas de campo para transmitir aos alunos as lições que agora enriquecem este livro em texto, fotos e desenhos.
São informações e observações do próprio autor e de outros profissionais por ele citados, sobre a evolução do Barroco no litoral e no interior brasileiros, onde arquitetos, pedreiros e engenheiros militares construíram igrejas, conventos, chafarizes e fortalezas hoje presentes na paisagem de cidades como Belém, São Luís, Recife, Salvador, Rio, São Paulo, Ouro Preto, Congonhas e mais umas dezenas de localidades de Minas. Essa riqueza se estende a colégios e missões do Rio Grande do Sul, ao casario de antigas aldeias de Goiás e às fortificações de beira-mar, como a dos Reis Magos, em Natal (RN).
O Barroco nasceu com o Maneirismo, no fim do Renascimento, cresceu na França e se espalhou por outros países da Europa, com destaque para Portugal, de onde missionários e colonizadores o trouxeram para o Brasil. Aqui, a nova escola ganhou autonomia, com vida própria e mais beleza, nas mãos de artistas como Francisco Antônio Lisboa, o Aleijadinho, e outros mestres do Ofício nas cidades históricas de Minas. O traçado e as construções das cidades de Portugal, quase sempre encarapitadas em morros e interligadas por estradas precárias, reproduziram-se nas metrópoles e nos arraiais da Colônia. Ilustrações de Coimbra e Lisboa ao lado de Salvador, na Bahia do século 19, comprovam a semelhança.
Imitação? Para Benedito Toledo, os portugueses aprimoraram o Barroco no Brasil, sobretudo em Minas, onde a riqueza do ouro permitiu enriquecer altares nas igrejas e embelezar obras civis. A nacionalização de um estilo cada vez mais aprimorado levou ao Rococó, nas décadas seguintes, chegando até o século 19. Para o professor da FAU, o Rococó não é sinônimo de decadência, como às vezes se pinta, mas evolução notável no estilo importado de Portugal. Arquitetos, desenhistas e pedreiros portugueses souberam aproveitar recursos brasileiros para dar originalidade a seu trabalho. Frutas regionais e figuras locais, como índios e escravos, ornamentam chafarizes e altares.
A contribuição das ordens religiosas para o Barroco ocupa três dos 17 capítulos do Esplendor do Barroco Luso-brasileiro. O autor, que nessas páginas se projeta como historiador, exalta o trabalho dos padres jesuítas com seus conventos, colégios e aldeias. Inspiradas na planta da igreja de Gesú, em Roma, suas construções se enquadram no Maneirismo. “Suas igrejas se identificam logo pela regularidade formal, sem a expansão do Barroco”, observa Benedito Toledo em entrevista ao Estado. Os construtores jesuítas eram disciplinados, inventivos e multiprofissionais.
Seus conventos e colégios tinham a configuração de aldeias com preocupação didática de garantir espaço para danças e teatro em terreiros ou pátios. Os irmãos jesuítas (não sacerdotes) levantavam paredes de igrejas, mas também construíam barcos e até navios de grande porte para navegar rios e oceano.
O livro ressalta, entre as obras dos jesuítas, a capela de São Miguel Paulista, na capital, a Aldeia de Carapicuíba e templos de outras cidades da região. A arte colonial paulista é pobre e despojada, em comparação com o esplendor das igrejas de Minas, mas algumas preciosidades merecem atenção. Um exemplo se encontra na capela de São Miguel Paulista, de 1622. “Notável é a banca de comunhão com seus balaústres de jacarandá torneado, tendo ao meio montantes que lembram os mainéis dos retábulos”, observa o autor, acrescentando a informação de que “junto às paredes de cada lado aparecem duas graciosas figuras femininas arrematando a peça. ”Na avaliação do arquiteto e urbanista Lúcio Costa, citado pelo professor da FAU, essa banca de comunhão é “das mais antigas e autênticas expressões conhecidas da arte brasileira”.
O barroco dos frades franciscanos tem bons exemplos em São Paulo – o Mosteiro da Luz, construído por Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro, e o conjunto do Largo de São Francisco, com igreja paroquial, convento e igreja da Ordem Terceira. Outras construções dos frades se destacam no Rio, Salvador e João Pessoa e outras cidades do Nordeste. Os monges beneditinos sobressaem com seus mosteiros do Rio, Salvador e Olinda. O Barroco de todas essas construções caracteriza não apenas os imóveis, mas se identifica ainda nas peças de celebração litúrgica e nas pinturas.
A azulejaria também é marca do Barroco nas igrejas, palácios e casarões do Brasil Colonial. Presente nas construções do litoral, o azulejo não chegou, no entanto, a Minas, por causa da dificuldade de transporte. A carga que vinha da Europa em navios teria de ser levada para o interior no lombo de burros. Os construtores mineiros recorreram então à madeira, imitando o desenho dos azulejos, para cobrir paredes de casas e templos.