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“Bruno Palma, Escolhedor de Palavras”

Renata de Albuquerque*

“Traduzir é levar a palavra aos que não podem compreendê-la”. A frase está no livro Bruno Palma, Escolhedor de Palavras – Ensaio sobre a Arte e o Ofício de um Tradutor (Com-Arte), de Marcus Fabiano Gonçalves. Mas ela não é suficiente para sintetizar o trabalho (ou, talvez, seria melhor dizer fazer artístico) de Bruno Palma, paulista de Araraquara, cuja experiência com tradução começou ainda na fase ginasial. Hoje, com mais de 90 anos de idade, ainda atua ativamente nessa área.  

Bruno de Palma, que aos vinte anos converteu-se ao catolicismo e passou a integrar a Ordem dos Dominicanos, colaborou com a tradução da Suma Teológica de São Tomás de Aquino e atualmente integra a equipe de tradução da Vulgata. Para ele, traduzir é uma arte comparada a transpor, para outro instrumento musical, uma peça originalmente composta para um instrumento distinto. Essa metáfora já oferece ao leitor a medida da complexa delicadeza que o próprio tradutor percebe em sua atividade.

O volume tem capítulos inteiros dedicados a duas das mais famosas traduções de Bruno Palma. “Saint-John Perse: De Amers a Marcas Marinhas” e “Traduzir o Duplo Canto de François Cheng” são um minucioso estudo sobre estes marcos da tradução brasileira. Palma dedicou trinta anos à tradução de Amers, para que pudesse investigar a erudição do autor e, de maneira original, incluir toda essa bagagem no texto em português, recriando o original com uma fina elegância. O resultado recebeu o Prêmio ABL de Tradução. Isso dá a medida do mergulho que o tradutor se dispõe a realizar nas obras originais para então chegar ao resultado esperado.

Tradução que recebeu o Prêmio ABL

Ainda na Introdução do volume, parte do segredo da qualidade da tradução feita por Bruno Palma é desvelada: “Mais fácil seria, então, reconhecer, no sucesso final de uma boa tradução, a presença iniludível de uma certa sensibilidade, não inata, mas adquirida e apurada ao longo de um convívio demorado com as obras e autores traduzidos” (p. 18).

O livro de Marcus Fabiano Gonçalves traz ainda uma interessante entrevista com Bruno Palma, em que são abordados os trabalhos de tradução de Saint-John Perse e François Cheng. A entrevista é plena de revelações, como, por exemplo, a passagem em que Palma revela a influência da tradução de Perse para a tradução de Cheng:

“Creio, porém, que minha tradução da obra poética de François Cheng foi ajudada pela minha experiência anterior, a tradução de obras de Saint-John Perse. Pode parecer estranho, pois SJP é muito diferente de FC. Contudo, ambos são ‘poetas do ser’, como diz François Cheng, e se encontram por isso no essencial: na sua maneira de ver o mundo e de se relacionar com ele”.

Um dos momentos mais curiosos do volume é quando Palma é convidado a exemplificar as dificuldades enfrentadas – e a solução que ele encontrou para cada uma delas – quando traduziu Cheng e Perse. A cada exemplo dado, o leitor é convidado a participar da complexidade que o trabalho de tradução impõe, em um processo que ao mesmo tempo explica o quanto o tradutor precisa saber e o quanto ele aprende durante  essa jornada única.

* Jornalista, Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH/USP, autora da Dissertação Senhoras de Si: o Querer e o Poder de Personagens Femininas nos Primeiros Contos de Machado de Assis.

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