Com a Palavra

Com a Palavra n.10 – Antigos valores e crenças religiosas de Sófocles permeiam em ‘Édipo em Colono’

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Como ficou a vida de Édipo depois de furar os próprios olhos na cena final de Édipo Rei?

Édipo em Colono coloca no palco Édipo e sua filha (e irmã por parte de mãe) Antígona vagando por terras estranhas, à mercê da solidariedade alheia. Édipo, antigamente rei de Tebas, enfraquecido, à beira da morte, remói as amarguras pelas quais foi submetido.

Com esta edição, completa-se a publicação das sete tragédias supérstites de Sófocles, na tradução poética, metódica e sistemática de Jaa Torrano. Todos os volumes contêm, além do glossário mitológico, ensaios de interpretação do tradutor e de Beatriz de Paoli.

Com exclusividade para os leitores do Com a Palavra, leia um trecho do texto Édipo Entre Apolo e Erínies, escrito por Jaa Torrano, e que abre o livro desta edição de Édipo em Colono.

Édipo Entre Apolo e Erínies
por Jaa Torrano

Ao contrário da primeira cena da tragédia Édipo Rei, que mostra a figura magnífica de um Édipo rei salvador, quase divino, destinatário da súplica do sacerdote de Zeus, a primeira cena de Édipo em Colono mostra a figura miserável do ancião cego, mendicante, banido e erradio, que depende do favor alheio para comer e para saber onde se encontra. No primeiro verso a interpelação do ancião cego à filha Antígona e no terceiro verso sua referência a si mesmo com o nome Édipo já identificam os personagens; em resposta ao pai, Antígona descreve o lugar aparentemente sagrado, situa-o na proximidade de Atenas e anuncia a aproximação de um morador local.

Na segunda cena, quando o morador revela que o lugar é consagrado às pavorosas Deusas filhas de Terra e Trevas chamadas (por antífrase) Eumênides (“Benévolas”), o ancião cego, aparentemente desvalido, não só encontra o seu lugar, mas recupera o seu poder tanto de decisão do seu destino (É.C. 45) quanto de barganha com o rei local (É.C. 73).

Na terceira cena, de novo a sós com a filha, Édipo faz uma prece às “Rainhas Terríficas” falando em nome de Deus Apolo e identificado com o Deus por vaticínios divinos que em parte se cumprem nesse momento nesse lugar (É.C. 84-110). Nessa súplica de Édipo às Deusas inicia-se a transferência de Édipo do domínio de Apolo para o domínio dos Deuses ctônios Erínies, Perséfone e Hades, dito Zeus subtérreo. Tendo a primeira tragédia Édipo mostrado que toda a vida de Édipo se resume numa cratofania do Deus Apolo, nesse trânsito de um a outro domínio explicita-se a unidade enantiológica de Apolo e das Erínies, na qual os opostos tanto se excluem quanto se implicam, de modo a integração de Édipo nos poderes ctônios ser a consumação da vida de Édipo como cratofania de Apolo […].

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