Com a Palavra

Com a Palavra n.13: Haroldo de Campos sobre Dante Alighieri

Chegou o mais novo lançamento da Atelie Editorial: O Meu Dante. O livro está em pré-venda no site da editora. O livro, organizado por Maria Cecilia Casini, traz testemunhos de diversos autores sobre a importância artística que Dante sempre suscitou na cultura brasileira.

São relatos em torno da forte presença de Dante nos intelectuais de vastas formações e áreas de atuação.

Na coletânea estão os textos, entre outros, de Alceu Amoroso Lima, Alfredo Bosi, Ana Maria Machado, Evandro Affonso Ferreira, Hilário Franco Junior, Paulo Franchetti e Haroldo de Campos.

E é deste último autor que os leitores do Com a Palavra puderam conferir com exclusividade um trecho de seu texto, intitulado Dante e a Poesia de Vanguarda, presente na obra.

Dante e a Poesia de Vanguarda
por Haroldo de Campos

Dentro deste ciclo de conferências subordinado ao título geral “O Meu Dante”, é-se insensivelmente levado a assumir perante o genial poeta florentino uma perspectiva de escolha pessoal, respondendo a um critério talvez de afinidade eletiva. No cosmo dantesco, é sempre possível, de fato, distinguir-se esta ou aquela província com a qual, por razões de ordem biográfico-subjetiva ou de gosto estético, nos identificaríamos mais. Prefiro fugir a esta opção, formulando em princípio que o Dante sobre o qual falarei nesta noite não é necessariamente o Dante de minha admiração exclusiva, com prejuízo de outros possíveis Dantes. Escolhi-o por um critério tático e fora de sua obra máxima, a Comédia. Mas escolhi-o justamente para demonstrar uma afirmativa que poderia escandalizar aos menos avisados: a de que o Dante é, essencialmente, um criador de formas, um poeta-inventor, um pesquisador incansável da linguagem. Em suma: um poeta experimental. Um poeta de vanguarda. Cuja modernidade e cuja ousadia não foram amenizadas pela pátina do tempo, nem pela canonização das histórias literárias, mas permanecem em toda a sua agressiva originalidade, atravessando os séculos.

Por isso fui buscar, para apresentar-lhes esta noite, as quatro Canções Pedrosas de Dante. Mas, insisto, o momento dantesco que me permitirei oferecer-lhes não é um momento excepcional, circunstancial, não representativo da evolução do poeta. Antes, foi integrado na Comédia, serviu, por assim dizer, de exercício de dicção para a obra maior do mestre florentino e, neste sentido, exemplifica bem o lado laboratorial que nunca esmoreceu na trajetória poética de Dante. O Dante que não apenas criou um dos maiores poemas de que foi capaz o espírito humano, como foi um poeta estranhamente preocupado com o seu ofício, que em mais de uma oportunidade refletiu e teorizou criticamente sobre problemas de composição poética e de linguagem.

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Dante Alighieri (1265-1321) foi escritor, poeta e político italiano. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il sommo poeta (“o sumo poeta”). E tal é a sua grandeza que a literatura ocidental está impregnada de sua poderosa influência, sendo extraordinário o verdadeiro culto que lhe dedica a consciência literária ocidental. Foi muito mais do que literato: numa época onde apenas os escritos em latim eram valorizados, redigiu um poema, de viés épico e teológico, La Divina Commedia (A Divina Comédia), o grande poema de Dante, que é uma das obras-primas da literatura universal e um dos pontos mais altos atingidos pelo espírito humano. Foi injustamente exilado. O exílio foi ainda maior do que uma simples separação física de sua terra natal: foi abandonado por seus parentes. Apesar dessa condição, seu amor incondicional e capacidade visionária o transformaram no mais importante pensador de sua época.

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