João Pereira Coutinho | Folha de S.Paulo | Caderno Ilustríssima | Pág. 04 | Domingo, 02 de novembro de 2014
Existem dois tipos de escritores neste mundo. Os primeiros são como as chuvas – vêm e vão, ao sabor do tempo. Os segundos nunca nos deixam. Resistem a tudo – à estupidez dos literatos, à inveja dos pares, à passagem dos anos.
Eça de Queiroz (1845-1900) pertence ao segundo grupo: no século 19, só Camilo Castelo Branco (1825-90) rivaliza com ele. Mas a influência de Eça é incomparavelmente mais profunda: ele forjou uma linguagem nova para as gerações vindouras e praticamente fixou na memória dos portugueses o século 19 como referência perpétua para os séculos 20 e 21.
Ler ou reler Eça de Queiroz é exclamar – página sim, página não – que as coisas não mudaram e que Portugal, com a sua corja de políticos corruptos e artistas relapsos, continua como em 1875.
Sobre a linguagem, digamos só isto: não há cultor da palavra que, em Portugal, não tenha que enfrentar e enxotar o demônio do Eça. Mesmo estas linhas parecem contaminadas por ele. Em tempos, a sombra estilística assustava-me e deprimia-me, como plumitivo que sou. Hoje, é uma companhia suave. Como um gato mefistofélico que dormita aos meus pés.
O GATO Pois bem: o gato, que sempre teve relações próximas com o Brasil, despertou em força neste 2014. Há uma biografia nas livrarias. Há uma nova e luxuosa reedição de Os Maias. E há um filme inspirado no livro, da autoria de João Botelho, a caminho das salas brasileiras – a chegar em março que vem, após passagens, em outubro, pelo Festival do Rio e pela Mostra de São Paulo. (Eça deve ser tema ainda, em 2015, de uma exposição no Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista.)
O livro é da autoria de Alfredo Campos Matos, um queirosiano que, entre especialistas e meros curiosos, dispensa apresentações. A Campos Matos deve Portugal estudos vários sobre Eça, a começar pela coordenação do incontornável e monumental Dicionário de Eça de Queiroz (Caminho, 1988,esgotado). E deve-lhe também a biografia que os brasileiros têm disponível agora, em edição ampliada. Intitula-se Eça de Queiroz – Uma Biografia [Editora da Unicamp / Ateliê Editorial, R$ 110,00 – 600 págs.].
Campos Matos é rigoroso no encadeamento dos fatos: o respeito pelo biografado não lhe autoriza um único passo que as fontes não suportem, o que por vezes pode tornar a narrativa um pouco árida.
Alguns desses fatos são do conhecimento geral: José Maria Eça de Queiroz nasceu a 25 de novembro de 1845, na Póvoa de Varzim, uma povoação piscatória próxima do Porto. Seus pais eram José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, nascido no Brasil, e Carolina Augusta Pereira de Eça.
Isso sabemos nós, hoje, depois de os pais terem legitimado o filho nas vésperas do casamento deste – 40 anos depois do nascimento. Em 1845, Eça era dado como filho de “mãe incógnita” e abandonado por Carolina nos braços de uma ama de Pernambuco, Ana Leal.
Começavam aqui as especulações: das mais basilares às mais elaboradas. Como explicar o abandono? E que danos – psicológicos, existenciais – ele teria causado no infeliz José Maria?
O crítico João Gaspar Simões (1903-87), autor de uma clássica biografia sobre Eça (Vida e Obra de Eça de Queirós, Bertrand, 1980, esgotado), considerava o fato decisivo no psiquismo do autor. Campos Matos, sem ir tão longe, concorda com o impacto. E acrescenta: “Curiosamente, as personagens principais, como se sabe, por via de regra são órfãs, e foram educadas por parentes próximos. Assim acontece com o padre Amaro, Teodorico Raposo, Carlos da Maia, João da Ega, Jacinto, Fradique… “.
Certíssimo. Mas, se o impacto do abandono representa algo na formação de Eça (e na construção de seus personagens), convém não dramatizar em excesso a atitude da mãe, que casaria quatro anos depois com José Maria “sênior”.
A historiadora Maria Filomena Mónica, que estranhamente se tornou persona non grata entre os queirosianos depois da biografia que dedicou ao escritor em 2001 –Eça – Vida e Obras de José Maria Eça de Queirós [Record, R$ 60, 504 págs.] -, retira ao nascimento a carga de dramatismo que Gaspar Simões, nas suas leituras pseudofreudianas, lhe colou.
“Ao falar-se em ilegitimidade, casamentos tardios, filhos educados por amas”, escreve ela, “temos que ter presente que o século 19 olhava estes fenômenos de uma forma diversa da contemporânea”. E, normalizando a situação, conclui: “O número de nascimentos ilegítimos era então muito elevado, não só entre as classes populares como entre a aristocracia”.
Uma das vantagens da biografia de Filomena Mónica sobre a de Campos Matos está precisamente na capacidade de integrar o escritor na sua época – ou não fosse ela uma especialista no século 19.
Se o nascimento foi situação normal ou não, traumática ou não, Eça cresceu sem os pais até sair de Coimbra, em 1866, com o diploma de direito. Passou a infância com os avós (em Aveiro), fez estudos secundários no Colégio da Lapa (no Porto), e Coimbra foi para ele uma “escola de revolução”, onde encontrou o poeta Antero de Quental (1842-91), o revolucionário Antero que, no seu ateísmo extravagante, desafiava o cosmos para que a divindade o fulminasse com um raio. A divindade nunca lhe fez a vontade – e foi o próprio Antero a fulminar-se com dois tiros de pistola.
Mas a importância de Coimbra não está na jurisprudência que Eça lá aprendeu. Esteve, antes, no cursus honorum informal que ele palmilhou, lendo o melhor da filosofia francesa e alemã; a literatura de Balzac; a poesia de Goethe; e o insurrecionismo de Proudhon.
CAMINHO Depois dessas leituras, cabe perguntar como é possível seguir tranquilamente o caminho das leis, advogando em Lisboa para orgulho do pai. A resposta óbvia é que não era: como o seu personagem Carlos da Maia, Eça tentou levar a sério as exigências da profissão. Mas, como normalmente ocorre com as pessoas inteligentes, direito não era para ele.
E, se dúvidas houvesse, as chamadas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense (1871) dissiparam-nas. À primeira vista, as ditas conferências pretendiam discutir ideias, agitar consciências – e trazer para Portugal, enfim, um raio solar de crítica e inteligência.
As hostilidades começaram com o incontornável Antero e as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares” (que ele atribuía, um pouco delirantemente, ao catolicismo pós-tridentino, às conquistas ultramarinas e ao absolutismo régio). Eça de Queiroz seguia por outros mares e declarava a sua adesão à “escola realista”, que o mesmo é dizer: uma aversão visceral pelo romantismo, pela pieguice, pelo sentimento. “A negação da arte pela arte”, em suma.
As conferências agitaram Lisboa, mas tiveram vida curta, mandadas encerrar pelo governo do marquês de Ávila.
Campos Matos encara o fato à luz dos acontecimentos revolucionários na Europa, a começar pela Comuna de Paris. Filomena Mónica concorda: durante o resto da sua vida, Eça escreveu o que quis, como quis, mesmo contra o Estado que, paradoxalmente, o escritor representava como diplomata no estrangeiro. Mas, em 1871, com a Comuna a inflamar os espíritos revolucionários, “era natural que um governante estivesse nervoso”, conclui Filomena Mónica. As conferências, em resumo, não seriam apenas discussão; eram também sementes de revolução.
Concordo com a interpretação de ambos os biógrafos. Mas é preciso regressar à observação de Filomena Mónica de que Eça escreveu o que quis, como quis.
A prova está no seu jornalismo sarcástico, muitas vezes demolidor, vertido em jornais regionais e, claro, em As Farpas, crônicas partilhadas com o amigo Ramalho Ortigão em 1871 e 1872 – e que pretendiam, a um ritmo mensal, vergastar as desgraças políticas, econômicas e culturais da nação.
Lê-Ias, hoje, sobretudo se nos restringirmos à prosa queirosiana (mais sutil e mais afiada que a de Ramalho), é um dos grandes prazeres intelectuais para qualquer falante da lusa língua. Mas As Farpas têm um interesse suplementar: nos alvos e no tom, elas fixaram o programa ético e estético de Eça. Escolhendo a carreira diplomática, o escritor viveria fora de Portugal – em Havana, Inglaterra, finalmente em Paris.
O Portugal que ocupou a sua pena foi, porém, até ao fim, o Portugal grotesco da sua juventude. E que ressurge, desde logo, nos romances iniciais, como O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio, publicados quando Eça já estava na Inglaterra e que foram devidamente vergastados no Brasil.
Foi Machado de Assis quem fez o gosto ao dedo em O Cruzeiro, em 1878, chamando a si a tarefa de reprovar a “escola realista” que Eça elegera como sua e, pior ainda, acusando o escritor português de plágio: O Crime do Padre Amaro copiava La Faute de l’Abbé Mouret (“O Erro do Abade Mouret”), de Émile Zola.
As acusações de Machado merecem ser rebatidas. Para começar, o plágio não tem sentido quando se sabe que a composição do Padre Amaro, iniciada anos antes ainda em Portugal, é por isso cronologicamente anterior à obra de Zola.
Mas o que impressiona Campos Matos, e com razão, é o deslocado moralismo de Machado, que ainda via na arte a “escola de virtudes” a qual, felizmente para a literatura brasileira, ele abandonaria em Dom Casmurro ou nas Memórias Póstumas de Brás Cubas. Será possível levar a sério a crítica de alguém que desaprova obras de ficção pela imoralidade dos seus personagens? Como escreve Campos Matos, servindo-se certeiramente das palavras do próprio Eça, “criticar o livro não pelo que ele é, mas pelo que deveria ter sido – é ridículo”. Touché.
E, se as críticas de Machado podem ter moderado os eflúvios realistas de Eça, nem por isso moderaram a complexidade moral, e imoral, dos seus personagens. Os Maias (1888) serão o supremo e derradeiro exemplo.
Eça de Queiroz não publicaria outro romance em vida. Morreria em Paris, rodeado pela família depois de uma peregrinação pungente em busca de cura para os seus desarranjos intestinais, a 16 de agosto de 1900. Tinha 54 anos e deixava uma obra-prima.
OS MAlAS Não existe português com estudos (bem) feitos que não conheça Os Maias.
É leitura obrigatória nas escolas, e os seus personagens, a começar pelo superlativo João da Ega (projeção de Eça? caricatura de Antero? uma mistura de ambos?), já fazem parte do imaginário nacional. De tal forma que Eça, tal como Flaubert no leito derradeiro, poderia afirmar que a sorte de um escritor é madrasta quando morremos nós – e todos aqueles dândis viverão para sempre.
Mas, relendo o livro na sua excelente nova edição brasileira, comentada e ilustrada com requinte [notas de Aluizio Leite e Monica Figueiredo; ilustrações de Wladimir Alves de Souza, Zahar, 576 pâgs., R$ 64,90, e-book R$ 24,90], é difícil não concordar com Monica Figueiredo, que assina o posfácio: Os Maias são um romance imensamente triste, apesar dos risos que nos acompanham da primeira à última página. Valerá a pena relembrar a história?
Seja: Afonso, Pedro e Carlos são os nomes masculinos de uma família fidalga da região portuguesa da Beira. O primeiro, “mais idoso que o século”, será o educador de Carlos, após o suicídio de seu pai, Pedro, que não aguenta a infidelidade da mulher e a fuga desta com a filha e o amante.
Afonso cumpre o seu destino com marmóreo sentido de dever: Carlos é educado na província, forma-se em medicina (em Coimbra, claro) e vem a abrir consultório em Lisboa. Com enganador esmero, pretende dedicar-se seriamente à profissão. Mas o dandismo é mais forte que a medicina – ou, como lhe dirá João da Ega, o coração é sempre mais forte do que a razão.
Depois das aventuras amorosas da praxe com senhoras (mal) casadas, Carlos conhece e apaixona-se por Maria Eduarda. A relação começa e aprofunda-se em encontros apaixonados. Não pretendo estragar a surpresa de ninguém, até porque desconfio que o desenlace não constitui surpresa para uma única alma que saiba o abecedário: Maria Eduarda é a irmã de Carlos. A incestuosa tragédia está consumada.
Voltei a viajar por Os Maias nos últimos dias e, confissão pessoal, o que me abalara na juventude (o incesto) parece-me a parte menos importante do romance. Mais ainda: o próprio Eça, nas dissertações sobre o medonho ato, parece gargalhar em cada linha. Não é por acaso que, quando Carlos e o amigo Ega discutem o que fazer ante a evidência da ignomínia, eles são constantemente interrompidos por Vilaça, em busca do seu chapéu perdido.
O expediente não serve apenas como comic relief: é também uma sabotagem consciente do narrador, que não concede ao ato nenhuma consequência de proporções homéricas: Afonso morre, sim, mas não sabemos se de velhice ou de desgosto. Carlos, este, opta sensatamente pela viagem (Estados Unidos, Japão); e Maria Eduarda, depois do choque, parte para Paris, onde acabará por constituir família. Longe vão os heróis românticos de um Goethe ou de um Schiller, para quem a mancha de tal imoralidade justificaria o suicídio.
Carlos não é o seu pai, Pedro. E, como escreve o narrador, “gente nasceu, gente morreu, searas amadureceram, arvoredos murcharam”. Tudo passa com os anos.
ESGOTAMENTO Tudo, exceto o que me parece fundamental na obra: o esgotamento de um país – espiritual, material, moral. Ou, para voltarmos ao incesto como metáfora, a sua irrecuperável infecundidade. Pela boca do inconfundível João da Ega, eis a sentença fatal: “Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, tudo nos vem em caixotes pelo paquete”. E importa-se tudo porque os nativos pouco ou nada fazem.
Exemplo acabado dessa esterilidade nacional é João da Ega, autor de um livro longamente prometido, longamente esperado – Memórias de um Átomo, epopeia em prosa sobre os grandes ditos da humanidade – que, na verdade, nunca sai. O próprio Ega, aliás, nos momentos de maior lucidez (in vino veritas, diziam os clássicos), ainda suspira:
“Este diletantismo é absurdo”. E, no entanto, é no absurdo do diletantismo que se vive e sobrevive.
E, quando se importam as leis, as teorias, as estéticas, Portugal confronta-se com uma civilização que lhe fica “curta nas mangas” – uma civilização que lhe chega em “segunda mão”, maioritariamente francesa (mas também inglesa), e que os selvagens recebem e copiam com serôdio provincianismo.
O episódio das corridas de cavalos – um prodígio narrativo de Eça de Queiroz – é a explanação prática dessa grotesca propensão mimética. Tudo é repelente no improvisado hipódromo, a começar pelos “dois criados, estonteados e sujos”, que lá vão “achatando” (atenção ao verbo) “as fatias de sanduíches com as mãos úmidas de espuma de cerveja” (atenção ao pormenor). E o desastre continua na pobreza dos jóqueis, dos cavalos, da assistência. Como diz um dos personagens, o país só suporta “hortas e arraiais”. O resto é pilhéria – e pancadaria.
Esse desencanto de Eça, incomparavelmente mais perturbante do que o incesto propriamente dito, levanta porém duas questões importantes que Maria Filomena Mónica, uma vez mais, enfrenta na sua biografia. E, se volto a Filomena Mónica, é porque Campos Matos não dedica a Os Maias a atenção que o livro merecia, como opus magnum de Eça.
A primeira questão é saber se Portugal de 1875 seria esse caso perdido de improdutividade e imitação, uma pergunta relevante quando sabemos que Eça escreveu o essencial da sua obra longe do país que tão vastamente chicoteava. Filomena Mónica discorda: Eça podia ainda revoltar-se contra o fracasso do liberalismo radical e contra o atraso intelectual e econômico de um país na periferia da Europa. Mas o Portugal de 1875, ou seja, o Portugal fruto da chamada Regeneração (período da história portuguesa marcado por uma profunda modernização do país), era já diferente da Lisboa tacanha que Eça conhecera duas décadas antes.
Mas existe um segundo problema – para mim, um problema mais interessante – e que consiste em saber se a acrimônia de Eça contra o “francesismo” dos portugueses não era uma “apologia pro vita sua”. Como o próprio escreve, Portugal podia ser “a reles tradução que fazemos da França”, uma literatura “macaqueada a sério” na sua afetação e extravagância. Mas Eça era também o mesmo escritor que acreditava “no messianismo da França” e que, apesar da sua vivência anglófila, tudo devia a Proudhon, a Zola, a Flaubert.
É impossível que, atendendo à inteligência do autor, Eça não sentisse na carne esse conflito entre originalidade e imitação. O conflito central que Os Maias eleva a prodigiosas alturas.
FILME Conflito: eis o que falta ao filme de João Botelho. Mas, antes do filme, uma divagação pessoal.
Anos atrás, quando escrevi para esta Folha sobre o Filme do Desassossego (obra de Botelho inspirada no Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa), fui severamente criticado na terrinha por desvalorizar “lá fora”, no Brasil, o que se faz “cá dentro”, em Portugal. Segundo a ortodoxia dos débeis, não interessava discutir os méritos ou deméritos do filme. Nem sequer os argumentos aduzidos para considerar o Filme do Desassossego um fracasso.
O problema estava no fato de haver “uma descompostura na pátria para um jornal brasileiro”, para usar as palavras de Pinheiro Chagas que criticou Eça de Queiroz por motivos semelhantes: em 1880, Eça escreveu um artigo na Gazeta de Notícias, do Rio, em que criticava o imperialismo português e a sua relação mendicante com o Brasil. Pinheiro Chagas, que pelos vistos deixou herdeiros tão provincianos quanto ele, não tolerava que as misérias caseiras fossem plasmadas no “estrangeiro”.
Em minha defesa – partindo do pressuposto, obviamente ridículo, de que preciso de uma – só poderei dizer três coisas.
A primeira é que estimo João Botelho, em especial o diretor de Um Adeus Português (1985), mesmo que essa estima não seja recíproca.
A segunda, é que Os Maias merece ser visto por duas razões: para começar, pela inteligência do diretor em elevar o artifício, sobretudo o artifício cenográfico, a personagem principal da narrativa. Se é impossível reconstruir o Chiado do século 19, Botelho segue a lição cara a Derek Jarman de que não existe nada mais realista do que artifícios plenamente assumidos como tal – e assim integrados na textura da obra.
Além disso, o filme de Botelho, com dois pavorosos Carlos da Maia (Graciano Dias) e Maria Eduarda (a brasileira Maria Flor), compensa tudo com um João da Ega (Pedro Inês) que ficará na história do cinema português como uma das suas criações mais geniais.
Infelizmente, e em terceiro lugar, Os Maias padece do mesmo problema do Filme do Desassossego: uma incompreensão basilar de que um romance – na sua estrutura, na sua atmosfera, no seu estilo, até na cadência dos seus diálogos – tem uma linguagem própria que não se presta a uma mera colagem cinematográfica.
O filme transpõe o romance em tom escolar e didático – e nenhuma das personagens, com a exceção do já citado Ega, transporta um mínimo de complexidade ou credibilidade. De tal forma que os diálogos – e Eça era um prodígio nos diálogos – nos parecem baços, meramente ilustrativos, como se estivéssemos na presença de um museu de cera articulado.
Será que isso faz de mim um antipatriota, incapaz de assimilar a grande ambição da ditadura salazarista de que a pátria e a nação não se discutem? Faço minhas as palavras do próprio Eça em resposta a Pinheiro Chagas: não há nada mais lamentável do que fazer do patriotismo “ressequido e pulverulento” um assunto e uma carreira.
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