Entrevistas

Um mito, duas versões

Por: Renata de Albuquerque

Trajano Vieira é um dos mais reconhecidos pesquisadores da literatura grega no Brasil. Com uma bagagem de décadas de estudo e dedicação ao tema, ele preparou, exclusivamente para a Ateliê Editorial, a tradução de duas versões da tragédia Electra: uma de Sófocles; outra de Eurípedes. O desejo de vingar a morte do pai desdobra-se, em cada autor, com características próprias, que vão da tensão ao humor. A seguir, o Doutor em literatura grega pela USP, livre docente e professor do IEL,  na Unicamp, fala sobre seu Electra(s):

 

Qual a importância em reunir as duas “Electra” em só volume? Esta é uma iniciativa inédita?

Trajano Vieira: O objetivo maior da publicação num único volume das duas Electra, que apresentam o mesmo mito, foi dar ao leitor a oportunidade de comparar o diferente tratamento conferido ao tema por dois poetas trágicos com características bastante distintas: Sófocles e Eurípides. Desconheço a existência de projetos tradutórios com a mesma motivação. Creio que não há, pelo menos entre nós.

Quais os desafios da tradução para compor um volume como esse? As traduções foram realizadas especialmente para este volume ou já haviam sido feitas anteriormente e foram apenas reunidas?

TV: As duas traduções foram pensadas em função da publicação da Ateliê. Os desafios que obras dessa magnitude impõem ao tradutor são inúmeros. Destacaria, entre outros, a necessidade de encontrar uma coerência formal em português, que dialogue com aspectos centrais da linguagem do original. Se o resultado é positivo ou não, cabe ao leitor avaliar. Contudo, deve-se considerar a relevância ou não do gesto tradutório. Nesse tipo de trabalho, o tradutor se arrisca ao buscar formulações que escapem dos sentidos cristalizados nos dicionários e nas gramáticas. Esses instrumentais são ponto de partida e não de chegada, como costuma ocorrer em traduções escolares convencionais.

 

A bibliografia sobre as Electra(s) é vasta. Para este trabalho especialmente, quais foram as referências utilizadas e por quê?

TV: Eis uma questão de difícil resposta. Como você observa, a bibliografia sobre as duas tragédias é imensa. Até por dever de ofício, por causa da minha atividade de professor na Unicamp, procuro me manter atualizado sobre as publicações especializadas, dando preferência àquelas que abordam questões poéticas e retóricas. Acabo privilegiando os ensaios com qualidade estilística e procuro me distanciar dos que exibem argumentação esquemática e perfunctoriamente acadêmica. Estes últimos trabalhos dão muitas vezes a impressão de estar fazendo uma grande descoberta científica, quando na verdade revelam apenas o uso nem sempre significativo de uma vírgula ou de um ponto e vírgula. Entre os especialistas de tragédia que admiro muito, não só pela agudeza e erudição, como pela elegância da escrita, mencionaria Bernard Knox.

 

Quais são os principais pontos de contato entre os textos de Sófocles e Eurípides?

TV: O principal ponto de contato entre ambos decorre das características de fundo do gênero trágico. Refiro-me à questão do destino e de sua inesperada reviravolta, cujos efeitos nefastos exibem a fragilidade da experiência humana. O personagem atua como senhor de sua história e descobre, ao final, que outros aspectos foram responsáveis por sua forma de agir e de enxergar a vida. Normalmente isso ocorre tarde demais, quando o cenário negativo conduz o herói à própria destruição.

 

O que os distancia mais?

TV: A concepção de linguagem e do próprio gênero trágico afasta os dois escritores. A grosso modo, apenas para situar o leitor que desconhece os autores, pode-se dizer que em Sófocles prevalece o tom sereno e a abordagem clássica do acontecimento trágico. Eurípides é sobretudo moderno e chega a introduzir elementos cômicos em sua obra (notem-se, por exemplo, as características acentuadamente simplórias do marido oficial de Electra…), dando a impressão, muitas vezes, de que seu projeto procura ir além do gênero trágico tradicional. Há um aspecto dramático na Electra de Eurípides que antecipa certos traços romanescos.

 

De que maneira o senhor recomenda a leitura, para que as diferenças e semelhanças fiquem mais claras para o leitor? Cena a cena ou cada peça em sua totalidade?

TV: Cada um de nós deve descobrir o modo mais adequado de realizar a própria leitura. Eu prefiro ler integralmente cada uma das obras, para, num segundo momento, retomar trechos marcantes e estabelecer paralelos.

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