Mariana Filgueiras | O Globo | Seção: Livros | 06 de fevereiro de 2015
Projeto Quebras passa por 15 capitais até junho; ao final, o autor publicará um livro com os relatos do percurso
RIO — Desde setembro do ano passado, o escritor Marcelino Freire está vivendo aquele que é, no fundo, o sonho de muito artista brasileiro. Ganhador do prêmio Jabuti em 2006 pelo livro de contos Angu de Sangue e finalista na categoria romance em 2014 com Nossos Ossos, o pernambucano Freire está percorrendo 15 capitais do país, aquelas mais fora do eixo cultural sudestino, para registrar as manifestações culturais que encontra pelo caminho. Anota tudo num blog, que ao final da viagem será transformado em livro. Com a ajuda do fotógrafo Jorge Filholini, que viaja com ele, também produz vídeos e fotos, grava podcasts e ministra oficinas literárias por onde passa.
Batizado de Quebras, o projeto remete à viagem feita pelo modernista Mário de Andrade, em 1927 (que deu origem ao livro O Turista Aprendiz, publicado em 1976), mas na verdade foi inspirado pelo livro Quarto de Despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus, e pela possibilidade de garimpar bons escritores escondidos pelo Brasil, conta Freire. Aprovado no edital Rumos Itaú Cultural no ano passado, tem custo total de R$ 200 mil. Os dois já passaram por cinco capitais: Teresina, Belém, São Luís, Campo Grande e Vitória. Todo o roteiro é decidido no calor da hora.
— A viagem é muito aberta nesse sentido. É o que a gente vai colhendo pelo caminho. Recebemos sugestões de amigos também. Ao irmos para Belém, o querido Milton Hatoum nos deu desde indicações de poetas até de sorvete. É um projeto para encontrar pessoas. A gente tem a ideia burra e preguiçosa de que nada está acontecendo no Brasil fora do grande eixo — conta Freire, de São Paulo, enquanto se prepara para ir para João Pessoa, na Paraíba, a próxima parada do projeto, que finda em junho.
Filholini completa:
— O inusitado sempre resulta em uma ótima conversa. Aconteceu um momento muito bacana em São Luís, quando o poeta Salgado Maranhão, que vive em Teresina, estava em seu estado natal para a Feira do Livro. Foi uma das entrevistas mais impactantes que fizemos, assim, já de volta para casa, com pouca luz, embaixo de um poste, à noitinha. Foi uma aula de paixão e de literatura.
Quem acompanha o blog vai descobrindo o país com os autores. Em Teresina, onde pousaram primeiro, chegaram sob sol forte, “derrubaram” dois pratos de comida e na mesma noite já foram conhecer o Galpão do Dirceu, que chamou a atenção dos autores pela semelhança com o Clariô de Teatro, de Taboão da Serra, em São Paulo. “Todos os artistas ocupam o centro desse misto de galpão e circo. Chegamos e ele estava tomado por 13 drag queens que ensaiavam uma invasão a São Paulo, num espetáculo chamado Racha Show”, escreveu Freire na mesma noite no blog. Também escreveriam sobre as revistas culturais Acrobata e Revestrés, esta apelidada pelo escritor de “a verdadeira Piauí”, referindo-se à revista carioca.
— Gostamos de encontrar pessoas que estão sempre ligadas no movimento cultural, espalhando arte para todo lado. Em Vitória, foi sensacional conhecer a militância de Fabricio Noronha, que produz de tudo: poesia, rock, festival. É muita gente produzindo e se virando. Lá também encontramos muitas editoras independentes e uma cena de fanzines e HQs muito forte — comenta Filholini.
Depois da passagem da dupla pelas cidades — que é sempre monitorada por outra dupla, a dos programadores Bruno e Mozart Brum, que alimentam o site do projeto de São Paulo —, eles fazem o possível para que as turmas das oficinas literárias continuem a se frequentar e produzir. Em Campo Grande, por exemplo, onde estiveram há duas semanas, já soubemos que os alunos marcaram um sarau para o final de março num espaço chamado Casa de Ensaio.
— É um lugar sensacional. A casa existe há 19 anos, e eles trabalham com crianças e adolescentes, dando aulas de teatro, de literatura, de pintura e cinema. É gratificante juntar os artistas que estão a poucos metros de distância, mas que nunca se conheceram, e que graças às oficinas do “Quebras” puderam ter esse contato — detalha Filholini.
Freire conclui:
— O Brasil é imenso, e eu sempre quis estreitar esses contatos, essas pulsações. É muita gente produzindo e se virando.
Conheça aqui as obras de Marcelino Freire publicadas pela Ateliê.
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