ALEX SENS FUZIY — 17 de junho de 2014
“Eu não quero fazer sentido, mas ser sentido.” A frase, escrita no final da minha adolescência, deve completar uma década em alguns meses, talvez no próximo ano, já não me lembro. Sei que ela teve um poder modificador, de construção de personalidade e intenção assertiva quando surgiu num susto através de um blog — a ferramenta dos cyber-poetas e escritores de botequim que viram na plataforma virtual a base de seu trabalho no início do século. Era uma verdade: eu não queria que meus textos tivessem sentido, mas que eles pudessem ser a extensão vibrátil do sentido que o leitor poderia ter, conforme sua percepção. Parecia pretensioso para aquela idade, mas a frase ecoou, foi coagulada pelo tempo e tenho por ela um carinho especial, como uma primeira tatuagem, e mais importante do que isso: ela ainda é essa superfície clara e inérvea que não pode ser perturbada.
Dias atrás, um amigo que está morando em Paris disse que se deu conta de que meu sobrenome materno, Sens, é a palavra francesa para “significado”. Eu já sabia disso; alguns anos atrás havia pensado muito sobre o assunto após descobrir que parte do meu nome era traduzível. Curioso, no mínimo. Talvez o francês tenha se dissolvido na pronúncia germânica, porque embora sua raiz esteja na França, foi com a naturalização alemã por parte da minha mãe que o nasal “Sâns” se transformou no sonoro “Zênts”. Com a pronúncia germanizada, o “significado” se perdeu. Quando os franceses falam na televisão, logo cai sobre minha atenção o viço da expectativa: e de vez em quando ouço os sibilantes esses que sobressaem nos “extremos semânticos” da palavra. O próprio significado de “significado” soa como uma brincadeira sem fim, e seus esses franceses podem ser encontrados igualmente infinitos numa lemniscata — se transformarmos a ideia em símbolo.
Chegamos ao “Fuziy”, lado paterno. Z e Y, duas letras quase misantropas da nossa língua, afastadas num canto longínquo onde o sol das palavras incomuns demora a tocar. Esse é um sobrenome japonês, ou um erro de cartório. O correto seria algo como “Fujii”, a vogal duplicada triplicando os pontos e formando com o jota as reticências de uma história oriental não contada, ou um quase-monte. Desconheço qualquer significado para “Fuziy”, mas como disse a chefe de uma amiga: sou filho da Segunda Guerra Mundial. Alemanha e Japão. Nada da Itália para completar as Nações do Eixo, embora meu gosto pelas massas, pelos vinhos toscanos e pela arquitetura renascentista seja tão inerente quanto qualquer mistério sub-reptício da alma. Querendo ou não fazer sentido, guardo no nome o amor por uma ancestralidade cheia de narrativas labirínticas. Vou tentando ser sentido, sentindo o mundo nesses sinos sombrios que repicam nos significados das coisas.
Alex Sens Fuziy nasceu em 1988 em Florianópolis (SC), vive em Minas Gerais e é escritor. Publicou Esdrúxulas, livro de contos de humor negro e realismo mágico, seguido pelo livro artesanal Trincada. Teve contos e poemas publicados em sete coletâneas e em revistas literárias virtuais, assim como resenhas de livros e críticas em sites de jornalismo cultural. Seu romance de estreia O Frágil Toque dos Mutilados venceu o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2012.
Lindo, emocionante <3