O “romance em versos” Eugênio
Onêguin é a expressão
máxima do gênio de Aleksandr Púchkin (1799-1837), e representa para a
literatura da Rússia o mesmo que OsLusíadas, A Divina
Comédia, o Dom Quixote e as peças de Shakespeare
representam respectivamente para Portugal, a Itália, a Espanha e a Inglaterra.
Púchkin é considerado o fundador da literatura russa moderna, o maior ícone
cultural da Rússia, e seu Eugênio Onêguin já foi chamado de
“enciclopédia da vida russa”, de leitura obrigatória em escolas. A Ateliê
Editorial acaba de publicar uma edição bilíngue, traduzida pelo poeta e
tradutor Alípio Correia de Franca Neto
e pela pesquisadora russa Elena Vássina. O trabalho teve a consultoria de Bóris
Schnaiderman, em um dos últimos trabalhos deste grande estudioso. A seguir, Alípio
Correia de Franca Neto e Elena Vássina respondem juntos a perguntas do Blog
Ateliê sobre a obra:
Esta é uma obra fundamental da literatura russa e já possui outra tradução em português. Qual o diferencial desta edição?
Resposta: A tradução é uma atividade dual, envolvendo capacidades individuais de interpretação e de escrita. Logo, uma tradução sempre envolverá uma maneira diferente de ler e de materializar essa leitura na escrita.
Quanto a traduções precedentes, só conhecemos uma versão brasileira do Eugênio Onêguin, cuja iniciativa deve ser considerada, pela envergadura do trabalho, mas que está inçada de imprecisões do ponto de vista de sua poeticidade e no que concerne a interpretações pontuais de passagens e conceitos. São conhecidos, pelo menos, 10 excelentes e diferentes traduções de Eugênio Onêguin para língua inglesa; há 16 traduções para o francês; 6 traduções para o espanhol e assim por diante.
Quais foram os maiores desafios da tradução deste volume, levando-se em conta o fato de que este é um romance em versos?
Resposta: O maior desafio, mesmo, é “manter o pulso”, em termos da depuração da linguagem em reescrituras sucessivas, à proporção que se avança na tradução de um poema tão longo, universalmente conhecido pela “leveza” de seu estilo, a qual deve fazer, claro, parte da poeticidade da tradução – um estilo que, como disse Tchekhov acerca do pé de uma bailarina, exige o máximo de esforço para o máximo de graça.
Como foi o processo de tradução e adaptação da forma poética? De alguma maneira ela obedece às estruturas da língua russo ou foi feita de modo que o leitor brasileiro pudesse reconhecer o ritmo da poesia a partir das referências de nossa língua?
Resposta: A estruturação do poema em português mimetiza um sem-número de estruturas poéticas do original, como, por exemplo, metro, esquemas rímicos, aliterações, assonâncias, ambiguidades, valores tonais. A tradução preserva conteúdos semânticos equivalentes em cada verso, apenas raras vezes deslocados ligeiramente a versos na sequência; preserva paralelismos, recorrência vocabular, aspectos da sintaxe e a maior parte da pontuação (que Michael Hamburger chamava de “a respiração” do poema). Apenas a especificidade do esquema rímico, no que concerne à distribuição de rimas masculinas e femininas, não foi seguida à risca, já que, como está explicado em palavras sobre a tradução no final do segundo volume, a adoção desse cerceamento poderia resultar em soluções demasiado perifrásticas comparativamente ao original, esse sendo um problema relativo à constituição das línguas, já que o número de palavras oxítonas em português é simplesmente menor do que o de palavras paroxítonas.
Este trabalho foi parcialmente supervisionado pelo Prof. Bóris Schnaiderman, que atuou como consultor desta tradução. Quais foram as contribuições dele para o volume? De que maneira seu trabalho pode ser percebido aqui?
Alípio Correa de Franco Neto: O prof. Bóris sentia profundamente o português e o russo, e era uma homem de grande erudição, sensibilidade poética – ou seja, um leitor ideal, contribuindo continuamente com comentários os mais minuciosas sobre imprecisões ocasionais.
Elena Vássina: Em 2008 apresentei ao Professor Bóris um projeto de tradução de “Evguiêni Oniêguin”, obra fundamental da literatura russa que faria o talentoso tradutor de poesia com minha modesta colaboração. O Professor logo ficou muito interessado no projeto e aceitou nosso convite de fazer revisão da tradução e ajudar com o cotejo. Ficaram as recordações das muitas horas que passamos juntos conversando sobre “Evguiêni Oniêguin”, e das diversas páginas que ele nos deixou com suas anotações e listas de correções e sugestões de tradução batidas em sua fiel Olivetti portátil.
O Professor Boris ficou muito entusiasmado ao ler o rascunho da tradução das primeiras estrofes feitas por Alípio, que, segundo o Professor, conseguiu acertar muito bem o estilo do romance em versos e resolver aquilo que o próprio Schnaiderman definiu como “a grande dificuldade” na tradução da obra:“[Púchkin utilizou nela] uma linguagem muito singela e incisiva, sua poesia muitas vezes está bem próxima da prosa e, ao mesmo tempo, é fundamentalmente poesia” (Entrevista com Boris Schnaiderman, 2016, p.40).
O livro faz parte da Coleção Clássicos Comentados. Como ele ajuda o leitor a entrar no universo da literatura russa (em especial desta obra fundamental para aquela cultura)?
Resposta: o livro é composto de um rico aparato de notas, enformadas por tradições críticas da obra, vazadas em linguagem acessível, e às voltas com problemas culturais e de tradução.
Em sua opinião, este livro tenta ser didático para o leitor que nunca antes teve contato com a obra de Púchkin ou ele deve despertar a atenção apenas dos estudiosos da língua e literatura russa?
Resposta: O livro visa a ser didático, do ponto de vista de seu material paratextual e de textos críticos paradigmáticos da obra, consignados no final do segundo volume, embora, como todo clássico, seja destinado tanto ao leigo como o especialista.
Obra perfeita e edição primorosa. Há previsão de quando o volume II será lançado?
Já estamos trabalhando nisso!