*Por Renato Tardivo
A mesa com o cineasta e diretor de tevê Luiz Fernando Carvalho e o escritor Lourenço Mutarelli estava atrasada. O anfiteatro da Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo, estava lotado. Marcelino Freire, organizador da Balada Literária, evento que naquele ano de 2012 homenageava o escritor Raduan Nassar, estava apreensivo. “O Luiz está atrasado, porque foi almoçar com um amigo aqui de São Paulo – vocês imaginam quem é o amigo…”, sugeriu Marcelino, dando a entender que seria o próprio Raduan. Como se sabe, o autor de Lavoura Arcaica, Um Copo de Cólera e Menina a Caminho e outros contos se mantém reservado desde que abandonou a literatura para dedicar-se exclusivamente à produção rural. Era esperado, portanto, que não estivesse nos seus planos dar as caras na Balada Literária, ainda que – ou sobretudo – na condição de autor homenageado. Mas qual não foi a surpresa de todos quando Luiz Fernando Carvalho chegou na livraria na companhia de Raduan Nassar? Atônito, o público ficou em pé. Eu jamais me esquecerei do que se seguiu. Raduan trocou o semblante estrangeiro de quem não pertencia àquela parafernália toda ao me ver na primeira fila e, com certa familiaridade, sussurrar: “Oi, Tardivo”.
Tenho muita admiração por Raduan Nassar. Seu romance Lavoura Arcaica, um dos livros mais importantes da literatura brasileira, me acompanhou (sempre me acompanhará) durante o meu mestrado, quando analisei a correspondência do livro com o filme homônimo (dirigido por Luiz Fernando Carvalho). O trabalho foi publicado pela Ateliê – Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica. O romance, lançado em 1975, completa 40 anos agora em 2015. A Revista Cult lembrou-se da data e me convidou a escrever sobre o romance na edição de fevereiro. Por sinal, sempre que tive oportunidade ao longo deste ano, como agora, faço questão de festejar os 40 anos de Lavoura Arcaica.
Na condição de pesquisador, jamais esbocei qualquer tentativa de me encontrar com Raduan. Sempre soube de sua postura reservada e optei por respeitá-la de antemão, procurando me abrir exclusivamente para o que a obra me comunicasse. Posso dizer que funcionou. No momento certo, com o trabalho já publicado, tive a felicidade de conhecê-lo. O encontro a que me refiro no parágrafo inicial deste texto foi o segundo, ocasião em que pudemos papear mais um pouco. Raduan Nassar escreveu (apenas?) 3 livros, sua “safrinha” como ele já disse, e vêm dessa safrinha as linhas mais preciosas que a literatura brasileira produziu. Pelo o que expus até aqui, reconheço que sou suspeito, mas basta consultar nossos antologistas ou críticos para confirmar que Raduan Nassar é um dos nossos autores mais relevantes – no patamar em que se encontram Machado, Rosa, Álvares, Drummond, Bandeira, Graciliano, Clarice…
Meu espaço para este texto está perto de acabar e noto que pouco ou nada falei sobre Lavoura Arcaica. Talvez porque, com o passar do tempo, eu tenha me permitido revisitar os afetos envolvidos em meus encontros, desencontros e reencontros com a história (tarefa, diga-se, encampada por André, narrador-protagonista do romance). É nessa condição que me recordo de uma das poucas perguntas na Balada Literária que fez Raduan levantar a cabeça (quase sempre baixa) e dizer alguma coisa. Perguntaram a ele se sua entrega à literatura teria valido a pena. Após alguns segundos com o olhar fora de foco, Raduan virou-se para o interlocutor e, com alguma resignação, sussurrou: “Não sei”.
Conheça mais sobre Lavoura Arcaica
Renato Tardivo é escritor, psicanalista, professor universitário e doutor em Psicologia Social pela USP. Publicou os livros de contos Do Avesso (Com-Arte/USP) e Silente (7Letras), e o ensaio de Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê).
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