Leia uma resenha, escrita por Danilo Pereira, da obra Herdando uma Biblioteca, de Miguel Sanches Neto, em sua segunda edição ampliada e revista publicada pela Ateliê Editorial.
Herdando uma Biblioteca – por Danilo Pereira
Muitas vezes sou parado na rua por pessoas curiosas que soltam o seguinte comentário; “nossa! Sempre vejo você com um livro nas mãos”. Outras olham de rabo de olho procurando identificar o que eu estou lendo. Cresci repleto de amizades, pessoas, entretanto algo me faltava. Foi quando a leitura preencheu aquele vazio. Hoje, carregar um livro nas mãos é mostrar uma extensão do meu corpo e da minha vida.
As pessoas sempre querem saber qual o melhor livro que você já leu, ou o livro da sua vida. Para mim esse tipo de classificação é complicado porque procuro sempre mostrar a experiência que cada leitura me proporciona. E com “Herdando uma biblioteca” de Miguel Sanches Neto eu tive o privilégio de me ver (leitor) entre suas páginas. Um livro espelho. Um livro que reflete muito do que você acredita sobre o poder que os livros podem oferecer e além de ser uma incrível máquina do tempo que te faz recordar aqueles momentos únicos.
Um desses momentos que revivi é o do meu retiro à leitura. Em uma casa muito barulhenta o que me restou foi a laje descoberta de telhado em que deitado junto aos livros tínhamos apenas o céu como nosso zelador.
Não foram poucas as identificações que encontrei. Desde herdar uma biblioteca, passando pela peregrinação em livrarias, a arte de colecionar livros, as discussões com arquitetos, etc…
Assim como o Miguel Sanches Neto, sempre carrego um lápis comigo. Um amigo certa vez mexeu na minha edição de Crime e Castigo de Dostoiévski e ficou impressionado com o tanto de anotações que eu fiz. Para ele aquilo era um tipo de vandalismo; “onde já se viu rabiscar livros”. Expliquei para ele que aquilo ali era o registro de um diálogo que aconteceu naquelas páginas. Um diálogo entre o leitor e o texto. Que também pode se desdobrar de várias outras formas.
Dos meus pais herdei um livro raro. Que só fui saber da sua importância quando ouvi de um professor uma citação do grande Paulo Freire; “A leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Meus pais me ajudaram a ler o mundo. Entretanto, foram os livros que me ajudaram a transformar esse mundo. E hoje, eu não me sinto mais só!
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A OBRA
Herdando uma Biblioteca é uma celebração do mundo dos livros. Uma celebração bastante pessoal, mas que não deixa de ter sentido universal, de valer para tantos outros leitores. O livro reúne crônicas que falam de leituras, das bibliotecas que herdamos e que deixamos de herança, daquelas que existem na realidade e das outras, às vezes melhores, que só persistem em nossa imaginação. Num certo sentido, Herdando uma Biblioteca é uma continuação – ou desdobramento – do romance autobiográfico de Miguel Sanches Neto, Chove Sobre Minha Infância. Os temas que lá estão reaparecem aqui e o diálogo entre as duas obras é notável a cada passagem. Miguel lembra de saída que, órfão precoce de pai analfabeto, não poderia ter herdado livros. Restava então desvelá-los no quotidiano precário da Peabiru da infância, da banca de jornais que vendia alguns poucos volumes, na descoberta espantosa de livrarias e sebos em outras cidades.
O AUTOR
Miguel Sanches Neto nasceu em 1965 em Bela Vista do Paraíso – Norte do Paraná. Em 1969, mudou-se para Peabiru, onde passou a infância. Doutor em Teoria Literária pela Unicamp e professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa, é autor de mais de 40 livros em diversos gêneros, de diários a aforismos. Publicou os romances Chove Sobre Minha Infância, Um Amor Anarquista, A Primeira Mulher, A Máquina de Madeira, A Segunda Pátria e A Bíblia do Che. Finalista do Portugal Telecom e do Prêmio São Paulo, recebeu, entre outros, o Prêmio Cruz e Sousa (2002) e o Binacional das Artes e da Cultura Brasil-Argentina (2005).