Marise Hansen*
Algumas palavras parecem ser feitas umas para as outras. É o caso das duas que formam a dupla “Clássicos Ateliê”, quando se considera atentamente que um clássico é aquela obra que “por sua originalidade, pureza de expressão e forma irrepreensível, constitui modelo digno de imitação”, e que ateliê é o “local preparado para a execução de trabalhos de arte”. Fica fácil perceber aí um par perfeito, que é a união da obra literária de sentido universal, atemporal, perene, com o tratamento artesanal que ela merece.
A coleção Clássicos Ateliê assume esse espírito, dispondo obras representativas das literaturas brasileira e portuguesa em edições preparadas com apuro meticuloso. A preocupação com os detalhes de cada edição pode ser vista na escolha iconográfica, na pesquisa e estabelecimento de texto, nas ilustrações que acompanham cada título. Entretanto, é sobretudo nas apresentações de cada obra que o diferencial da coleção se faz evidente. Os ensaios que precedem cada título da coleção, escritos por professores universitários e de Ensino Médio, primam pela profundidade de análise sem perder de vista a clareza e o didatismo, o que é imprescindível quando se pensa que a apresentação da obra deve atuar como uma espécie de comentário crítico, quase como uma aula escrita.
Quem vive o cotidiano da sala de aula com os estudantes que se preparam para os vestibulares, sabe a importância de, muito mais que se “mandar ler”, se ensinar a ler. Parece ter sido definitivamente sepultado o chavão “adolescente não gosta de ler”. É notório o quanto a literatura juvenil movimenta o mercado editorial. Mas sabe-se também que há muitos títulos que nossos alunos não leriam por conta própria, dada a dificuldade mesma da linguagem – original, artística, desafiadora – de um “clássico”. Quem tem a chance de estar perto desses alunos enquanto eles se veem levados a “enfrentar” um clássico, sabe, no entanto, que a paixão pela obra é garantida, quando não imediata, desde que a aproximação a ela se faça com o auxílio de um leitor experiente.
Quem entende, gosta: a fórmula é simples. E para ser leitor competente, há que se aprender a ler para além do que está explícito. Para tanto,é certo que existem as aulas e, para apreender o sentido do texto literário num nível ainda mais profundo, e de forma mais independente, existem as apresentações da coleção Clássicos Ateliê. Elas atuam como o tal “leitor experiente”, que, se na sala de aula é o professor, no momento de leitura e reflexão do aluno é o texto ensaístico que elucida o sentido das obras e suas múltiplas possibilidades de leitura; fornece informação, documentos e iconografia a respeito do contexto de produção e do discurso cultural vigente; estabelece comparações entre obras, estilos e autores da literatura universal. Para auxiliar o jovem leitor nessa apreensão de obras tão significativas, é fundamental que o autor do prefácio tenha não só amplo conhecimento sobre as mesmas, como também familiaridade com a prática em sala de aula: só assim se tem ideia da linguagem a ser usada para atingir o leitor que se inicia num clássico. Unir a profundidade acadêmica com a clareza didática é um diferencial da coleção, percebido nos textos introdutórios bem como nas notas explicativas (de vocabulário, sintaxe, referências culturais, recursos estilísticos, linguagem figurada).
Para o vestibular 2016 de duas das principais universidades do país, USP e Unicamp, a coleção Clássicos Ateliê abrange sete títulos: Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett; Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; Til, de José de Alencar; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; O Cortiço, de Aluísio Azevedo; A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós – comuns às listas dos dois vestibulares; e Sonetos de Camões, da lista da Unicamp. Essas obras contam com apresentações que abrangem os aspectos mais representativos de cada obra, sem deixar de sugerir sentidos novos, originais. Para quem vai prestar esses vestibulares (ou outros, que vários se baseiam nessas listas, tidas como canônicas), é fundamental, por exemplo, estar familiarizado com o espirito galhofeiro presente no romance de Manuel Antônio de Almeida, como uma espécie de protótipo da malandragem brasileira; com o universo de cinismo e abuso das elites do Brasil imperial representado por meio do defunto-autor Brás Cubas; com a crítica ao consumismo irrefletido e causador de permanente frustração, tema atualíssimo desenvolvido por Eça de Queirós em A Cidade e as Serras.
Para além de listas de vestibular, a leitura de clássicos será sempre parte da formação do leitor. Nesse sentido, a coleção conta com outras obras dos autores “clássicos” (O Guarani e Iracema, de José de Alencar; O primo Basílio e A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós; Dom Casmurro, de Machado de Assis) e com outros gêneros, além da prosa de ficção, como a poesia, no já citado Sonetos, de Camões, no recém-lançado Mensagem, de Fernando Pessoa, e no poema dramático Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Assim, quanto maior o repertório de leitura dos clássicos, mais sucesso em provas e exames vestibulares, haja vista o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado por mais de sete milhões de candidatos no mês de outubro, em que uma das questões da prova de Português era sobre O Ateneu, de Raul Pompeia, um clássico de nossa literatura contemplado pela coleção. O teste aborda a relação entre o colégio, vale dizer, a educação e sua função social, e os interesses capitalistas e individualistas de seu diretor, aspecto explorado na apresentação do romance para o volume da Ateliê.
Sabe-se no entanto, que a leitura dos clássicos, quando bem aproveitada, isto é, quando as obras são verdadeiramente compreendidas, trará benefícios que transcendem em muito as exigências de provas e exames vestibulares: será capaz de levar o jovem leitor a pensar criticamente a sociedade brasileira, as relações humanas e o próprio indivíduo, o que constitui o imensurável alcance da literatura.
Conheça a Coleção Clássicos Ateliê
*Professora de Literatura e subcoordenadora de Português no Colégio Bandeirantes, São Paulo.Mestre e doutoranda em Literatura Brasileira pela USP, com projetos de pesquisa sobre Machado de Assis e João Guimarães Rosa. Autora da apresentação e das notas de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós, edição Clássicos Ateliê.Autora do posfácio de O Jardim Secreto, de Frances Hodgson Burnett (Penguin/Companhia das Letras) e de análises de clássicos da literatura brasileira para a Companhia das Letras (Caderno de leituras).