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Ler, escrever e contar não basta

“É preciso ler o mundo”

NíIson José Machado

Fonte: Revista Kalunga | Edição 254 | Outubro 2012

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Nílson José MachadoEntre a carreira de engenheiro, formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), e a de professor de matemática, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Nílson José Machado ficou com a segunda opção. Abandonou o ITA, após três anos, doutorou-se em Filosofia da Educação, também pela USP, e passou a lecionar na instituição em 1972. A princípio, formou estudantes no Instituto de Matemática e Estatística e na década seguinte migrou para a Faculdade de Educação. Machado tem diversos livros publicados, entre os quais, Ética e Educação, que traz 256 microensaios sobre os temas cidadania, pessoalidade, didática e epistemologia, recém-saído da gráfica, publicado pela Ateliê Editoral, e Educação, Competência e Qualidade, pela Editora Escrituras. Nesta entrevista, ele discorre sobre várias questões a respeito de um dos temas mais pertinentes a toda sociedade brasileira.

Qual a sua avaliação sobre a Educação no Brasil?

Temos um problema crônico que é não ter políticas de Estado para a Educação. O que se tem são políticas de governo, ou pior ainda, de governantes. Às vezes muda o governante, mesmo que seja do mesmo partido, mudam as políticas. Isso ocorre em todos os níveis, federal, estadual e municipal. Em São Paulo, tivemos governos sucessivos de um mesmo partido e as políticas mudaram com os secretários de Educação. Essa é a grande mazela, faltam pessoas pensando na Educação com visão e nível de Anísio Teixeira, que pensava grande, que pensava no País, instituição educacional e não coisas de curtíssimo prazo e de “imediatez” que são desapontadoras.

Dê sua opinião a respeito da doação de livros?

É uma ação muito pequena em termos de política. Ninguém vai resolver os problemas educacionais distribuindo livros aos montes. O governo faz isso há pelo menos 15, 20 anos. Essa é uma iniciativa que faz a alegria das grandes editoras. Falta política educacional com P maiúsculo, que é uma política de Estado.

O governo tem investido o suficiente na democratização do ensino?

No meu entender, não há que se ter investimento em democratização do ensino. Não é esse o foco. Dewey Uchn, filósofo e pedagogo norte-americano, no início do século 20, dizia que democracia sem educação é algo canhestro. A educação sem democracia também. Aliviar a população de uma dessas duas coisas é como aliviar um condenado à morte, com duas penas de morte, será aliviada apenas uma. Democracia e educação são par fundamental. O que se pretende é uma educação de qualidade, esse é o processo de democratização legítimo. É garantir uma educação básica de qualidade, completa, até o final do ensino médio.

É correta a política de cotas na Educação?

A meu ver essa é uma política equivocada e polêmica. A democratização que se precisa buscar é por meio da educação básica de qualidade, não é oferecendo vaga no ensino superior para quem não está preparado. Isso é pura demagogia. Nós (USP) temos dificuldades com alunos, mesmo sem a questão de cota. Recentemente foi feita uma pesquisa apontando que 38% dos universitários brasileiros são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações, isso independente de qualquer política de cota.

Que contribuição a Universidade pode dar para mudar essa realidade?

No sistema educacional brasileiro, a universidade vive uma realidade diferente da escola básica, não é uma maravilha das maravilhas, mas é uma situação mais confortável. Como prima rica, a universidade deveria se envolver mais no processo de melhoria da educação básica. Não é abrindo mais vagas, mas acolhendo os alunos da escola pública em um curso pós-médio, de formação. Após esse período, ele poderia se candidatar a uma vaga na universidade.

Como seria esse curso?

Estou falando de um mutirão em que grande parte das pesquisas teria de ser colocada de molho. Como isso não dá visibilidade imediata, ele só poderia ser avaliado quando a primeira turma estivesse saindo. É atividade para sete, dez anos. Não é dar um cursinho de dois anos para esses alunos. As atividades na universidade e na escola básica não precisam ser somente aulas. Deve haver tutoria, orientação, conversa pessoal.

Qual o papel do educador?

O educador tem sido tratado pelos órgãos públicos de governo como um técnico. Quando se fala em capacitar professores, sempre se pensa exclusivamente na capacitação técnica. A competência técnica é fundamental, mas não basta para caracterizar um bom profissional. São necessários comprometimento e envolvimento com o projeto, ou seja, com as tarefas educacionais. Isso não vem graciosamente, mas na medida em que os professores participam desse projeto. É comum a todas as profissões, por exemplo, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não discute salário de advogado, mas a atuação deste profissional.

E a política de reciclagem de professores?

É preciso melhorar a condição de trabalho do professor da escola básica. Ela é muito ruim. Se ocorre essa melhora, o professor espontaneamente vai buscar voluntariamente aperfeiçoamento e capacitação. Quando eu digo que a condição de trabalho não é boa, não me refiro a salário. Isso está no pacote. Vou dar um exemplo: no Estado de São Paulo, um professor de Física tem duas aulas por turno no ensino médio. No regime de 40 horas, que é o mais frequente, ele tem de dar 32 horas na sala de aula. Para isso, tem que ter 16 turmas. Nenhuma escola no Estado tem 16 turmas de Física para oferecer a um professor. Ele terá que dar aulas em outras escolas para completar a carga.

No que se refere às competências, os professores estão preparados?

Esse discurso de competência é antigo e foi reavivado pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a partir de 1998. Na escola, o professor precisa desenvolver as competências pessoais dos alunos. Esse é um dos discursos que os avós da gente tinham. Eles diziam “você vai para a escola, aprende um monte de matéria, mas no fundo o que você aprende é ler, escrever e contar”. Atualmente, saber apenas isso não dá mais conta. Antigamente, a pessoa podia ser só analfabeta, hoje, ela pode ser polianalfabeta. Analfabeta em ciências, em tecnologia e em muitas coisas.

O que o professor precisa desenvolver na sala de aula?

Eu acho que em vez de ler, escrever e contar, ele tem que desenvolver a capacidade de expressão e compreensão. Expressão de si e compreensão do outro. Expressão em diferentes linguagens. Antigamente, a ideia geral de leitura era ler e entender um texto, agora, é preciso ler o mundo.

Regras e juízos devem ser transmitidos pelos pais ou pelos educadores?

Ambos têm tarefas que devem ser partilhadas, não dá para os pais delegarem tudo à escola, nem a escola delegar tudo aos pais. Claro que há especificidades na atuação de um e de outro. Quem pensa em um projeto de vida para a criança é a família, depois ela escolhe uma escola adequada para aquele projeto. Por sua vez, quem pensa no caminho pedagógico para buscar esse projeto é a escola. Não cabe ao pai ir à escola dizer qual é o livro que deve ser adotado ou como o professor tem que dar a aula ou avaliar. De maneira geral, não há exemplo de escola bem-sucedida sem partilhar metas e objetivos com a família. A escola precisa ter participação dos pais ou ela não se sustenta.

Há trabalho para todos os jovens que saem dos cursos? Eles estão aptos para educar?

Existe campo de trabalho para todos. Agora, ninguém sai apto para educar. O curso é o pontapé inicial. Há três fases na vida do professor. A primeira, assim que se forma, ele começa a dar aula. Ensina o que não sabe. Ele está aprendendo a lidar com os alunos. A fase dois é aquela em que ele dá aula sobre o que sabe. Essa fase é um perigo, porque ele sabe algumas coisas e dá aula disso. O que ele não sabe, diz “estou fora, não dou aula”. Isso é terrível. Ele perde o interesse por certas áreas e não consegue mais entender a dificuldade dos alunos. A terceira, que é a mais madura, só vem trabalhando, após alguns anos dando aulas. É quando o professor não está mais preocupado com o que ele sabe ou não. Ele se preocupa com o que os alunos precisam.

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Ética e Educação

Nílson José Machado
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Ética e Educação, de Nílson José MachadoÉtica e Educação são temas candentes que se entrelaçam e se alimentam mutuamente. No cerne de ambos encontram-se as ideias de conhecimento e valor. Um mapeamento de questões relativas a tais temas é apresentado pelo autor, em busca de uma perspectiva crítica ao alcance de educadores e de cidadãos em geral.
Os focos que aglutinam os textos são os pares pessoalidade/cidadania e didática/epistemologia. Iguais como cidadãos, somos diferentes como pessoas, e não buscamos a escola para esquecer tais diferenças: metade dos microensaios reunidos examina tal fato. A outra metade trata de explicitar como o modo de pensar sobre o conhecimento influencia decididamente as ações educacionais, ou seja, como a epistemologia interfere diretamente na didática.
Numa época marcada pelo excesso de informações e análises, optou-se, aqui, por uma forma sintética de apresentação das reflexões. Os microensaios são como sementes: as discussões que vierem a alimentar são a razão primordial de trazê-los a lume.
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Educação e Pedagogia, Cidadania
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