Marcelino construiu a sua escrita, encontrando temas para o desenvolvimento de seu trabalho literário e apreendendo as vivências de modo a colocar em páginas de marcantes obras
Por Jorge Ialanji Filholini
O escritor Marcelino Freire celebra os seus 30 anos na cidade de São Paulo. Nascido em Sertânia, interior de Pernambuco, em 1967, passando a infância em Paulo Afonso, na Bahia, e vivendo até os 24 anos no Recife, capital pernambucana, o trajeto de Marcelino fincou o corpo e desejos em 1991 na cidade da garoa na noite de 13 de julho. Chegando via ônibus da empresa São Geraldo, o jovem ainda se lembrava que, naquele momento em que pisou no solo da Rodoviária do Tietê, fazia um frio de 10 graus e um cansaço bom de sonho realizado: “todas essas cidades fazem o meu bagageiro literário. Sem contar este ‘não-lugar’, esse deslocamento que também é presente no que eu escrevo. Uma palavra minha está sempre em movimento, está sempre em migração. Eu não deixo de ser um retirante. Completei 30 anos de êxodo”.
Com o seu olhar migrante, Marcelino construiu a sua escrita, encontrando temas para o desenvolvimento de seu trabalho literário e apreendendo as vivências de modo a colocar em páginas de marcantes obras. A Ateliê Editorial foi a sua primeira casa de publicação, com as obras EraOdito (1998, reeditada pela Ateliê em 2002), Angu de Sangue (2000) e BaléRalé (2003), assim como na organização da antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (2004), Marcelino jamais esqueceu das pessoas que acreditaram em seus textos e contribuíram na concretização de seus primeiros livros: “João Alexandre [Barbosa] foi um excelente interlocutor. Acreditou no livro. Inclusive, algumas pessoas não gostavam do título ‘Angu de Sangue’. Perguntei ao João Alexandre. Ele me respondeu: ‘seu título é bom. Porque não é calmo. Nunca comece calmo’. Um grande mestre, a quem devo muito. Plinio [Martins Filho] continua sendo um amigo, um ouvido sempre aberto, um coração atento. É gratidão eterna, entende? Sem contar toda a equipe da Ateliê Editorial. Devo muito a Ateliê”.
Para um escritor, além das palavras, os números também fazem parte de sua incansável atividade pelas artes, São 54 anos de nascimento, 30 anos de São Paulo, 16 anos de Balada Literária – evento cultural criado pelo autor -, mais de 15 anos compartilhando a suas experiências em oficinas de escrita, Marcelino olha para o passado e dialoga com si mesmo: Eu agradeceria por, hoje, eu ter muito orgulho de mim. […] Estou aqui ao lado das escolhas que eu fiz. Estou muito orgulhoso das escolhas que eu fiz”. Orgulhosos somos nós por termos você, Marcelino, na literatura e na vida. Obrigado, queridão.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com Marcelino Freire:
A Ateliê Editorial publicou os seus primeiros livros – eraOdito, Angu de Sangue e BaléRalé. Poderia contar como foi essa parceria editorial?
Marcelino Freire: Quem me levou à Ateliê Editorial foi o crítico literário João Alexandre Barbosa. Ele teve contato com um conto meu e me perguntou se eu tinha editora. Eu, à época, publicava de forma independente. Eu publicava os meus próprios livros. João Alexandre leu o meu Angu de Sangue e falou com Plinio Martins Filho. Plinio me recebeu com muita generosidade e atenção. Publicou o Angu de Sangue no ano 2000. Esse livro me colocou no meio literário, digamos. Foi minha grande estreia. João Alexandre e Plinio são os meus eternos padrinhos.
13 de julho marcou os 30 anos da sua chegada à cidade de São Paulo, o que você trouxe em seu bagageiro literário e que foi primordial para criação de seus textos?
MF Eu nasci em Sertânia, Pernambuco. Quando eu tinha três anos de idade, a minha família foi morar em Paulo Afonso, na Bahia. Quando eu achei que ficaria por lá, a família foi para o Recife. Daí, em 1991, vim para São Paulo. Sertânia veio morar comigo em São Paulo. A Bahia também. As pontes do Recife fizeram ponte com São Paulo. Ou seja: todas essas cidades fazem o meu bagageiro literário. Sem contar este “não-lugar”, esse deslocamento que também é presente no que eu escrevo. Uma palavra minha está sempre em movimento, está sempre em migração. Eu não deixo de ser um retirante. Completei 30 anos de êxodo.
Conte-nos como as presenças de João Alexandre Barbosa e Plinio Martins Filho foram essenciais para a publicação de Angu de Sangue?
MF De alguma forma eu respondo a isso na primeira pergunta, mas posso acrescentar que João Alexandre foi um excelente interlocutor. Acreditou no livro. Inclusive, algumas pessoas não gostavam do título Angu de Sangue. Perguntei ao João Alexandre. Ele me respondeu: “seu título é bom. Porque não é calmo. Nunca comece calmo”. Um grande mestre, a quem devo muito. Plinio continua sendo um amigo, um ouvido sempre aberto, um coração atento. É gratidão eterna, entende? Sem contar toda a equipe da Ateliê Editorial. Devo muito a Ateliê.
Você organizou, com o apoio da Ateliê Editorial, a antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. Poderia falar como foi o processo de elaboração da obra?
MF Eu sempre gostei de micronarrativas. Colecionava microcontos em caderninhos. Aí em 2001 o professor Ítalo Moriconi organizou Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Eu disse: agora é a hora. Aí convidei cem escritoras e escritores brasileiros para fazerem contos de até 50 letras, sem contar o título. Saí convidando os autores e autoras. Até o Ítalo eu convidei para fazer um microprefácio. Participam do livro Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, Manoel de Barros, Millôr Fernandes… Plinio adorou a ideia e bancou essa minha maluquice. O livro hoje é referência para os estudos de microrrelatos na literatura brasileira.
O que o Marcelino escritor de hoje falaria para o Marcelino da época de escrita de Angu de Sangue?
MF Eu agradeceria por, hoje, eu ter muito orgulho de mim. Nós todos e todas fomos atravessados por uma pandemia. Estou faz tempo isolado na minha casa. Estou aqui ao lado das escolhas que eu fiz. Estou muito orgulhoso das escolhas que eu fiz. Obrigado, jovem. Continue aprontando, viu?