Por Renata de Albuquerque
Massao Ohno foi um dos maiores editores do país, deixando sua ideia e marca que influenciou o mercado editorial independente. Este imenso trabalho gráfico pode ser acompanhado no livro Massao Ohno, Editor, escrito e organizado pelo pesquisador José Armando Pereira da Silva. A obra tem projeto gráfico de Gustavo Piqueira e Samia Jacintho. Para falar desse trabalho, o pesquisador conversou com o Blog da Ateliê:
Massao Ohno participou de alguma maneira da fase inicial do projeto, já que a ideia surgiu em 2004?
José Armando Pereira da Silva: Não. Massao não participou do projeto. Quando dei conta a ele da minha ideia, apenas respondeu: “Está em boas mãos”. E comecei, então, a fazer minhas pesquisas.
Após a morte de Massao Ohno, qual foi a estratégia para dar continuidade ao projeto? Houve alguma mobilização de pessoas para ajudar a concluí-lo? Como foi esse desenrolar?
JAPS: Após a morte de Massao, sugeri ao então Secretário Municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, a formação de um acervo de obras publicadas por ele na Biblioteca do Centro Cultural São Paulo. Ele dirigiu minha sugestão para a Biblioteca Mário de Andrade, cuja diretora acolheu e promoveu a constituição de um acervo em contatos com autores por ele editados e familiares. Essa mobilização me fez conhecer muitas outras obras, além das que inicialmente pesquisara.
São mais de 170 capas que fazem parte de Massao Ohno, Editor. Um recorte importante e, ao mesmo tempo, trabalhoso para selecionar. Como foi o processo de catalogação, documentação e escolhas para fazerem partes do livro?
JAPS: O processo foi longo, começando por acesso ao catálogo de bibliotecas públicas e às ofertas de sebos virtuais, quando iniciei a compra de livros que julguei importantes. Fui formando minha coleção e descobrindo colecionadores que pudessem me fornecer imagens e dados de obras mais raras. A escolha de capas reproduzidas concentrou-se especialmente na primeira fase da editora, de 1960 a 1964, quando Massao estabeleceu sua marca não só na publicação de poesia, mas também de outros gêneros, como teatro, cinema e obras ligadas às tradições orientais, como o Hai-Kai. Outras reproduções ilustram autores que ele publicou nas fases seguintes de sua carreira: o retorno à atividade nos anos 1970, a parceria com editora do Rio de Janeiro nos anos 1980 e a fase final dos anos 1990.
Durante o trabalho de reunião do material para elaboração do livro, houve alguma descoberta, de algo inédito, que lhe causou surpresa?
JAPS: Várias. Como descobrir que os ensaístas e professores universitários (hoje aposentados) Roberto Schwarz e Carlos Henrique Escobar tiveram seus primeiros livros de poemas publicados por Massao em 1959. Também a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, então com 18 anos e ainda com o nome de solteira Manuela Ligeti, teve um livro de poemas em francês por ele editado.
Outra surpresa foi encontrar livros de Histórias em Quadrinhos, um deles de Sérgio Macedo, hoje um nome internacional no gênero.
Um fato importante e que até, em forma cronológica, é a participação marcante – formal e informalmente – de Massao Ohno na construção da literatura brasileira na segunda metade do século XX. Com os Novíssimos, passando pelos poetas Roberto Piva e Claudio Willer, mostrando também a elaboração dos livros de Hilda Hilst, entre outros. Para você, Massao Ohno tinha ideia da importância do trabalho dele para a literatura contemporânea, assim como sua influência e referência na produção editorial?
JAPS: Quando Carlos Felipe Moisés e Álvaro Alves de Faria organizaram a Antologia da Geração 60, fizeram uma homenagem a Massao declarando que “sem ele a história dessa geração seria substancialmente outra”. Outra seria também a história do editor sem essa ligação, que identificou sua marca e consolidou sua política de autores. Se tomamos em conta o desdobramento das carreiras dos autores lançados nos anos 1960, o saldo é positivo e relevante. A maioria desses poetas persistiu para além da efervescência de seu tempo de iniciação. Mas naquele momento não havia a consciência disso. A história estava por se fazer no futuro.
Ao longo do trabalho de elaboração do livro, alguma percepção sua sobre a obra de Massao Ohno foi alterada? Em que sentido?
JAPS: Não foi alterada, mas fui surpreendido ao me dar conta da quantidade de obras por ele editadas, da variedade de gêneros e autores, aos quais ele deu o melhor resultado, mesmo trabalhando muitas vezes em condições heroicas.
Massao sempre foi atento aos ilustradores, pintores e desenhistas, como Wesley Duke Lee, Aldemir Martins, Millôr Fernandes, Augusto Rodrigues, entre outros. No livro Massao Ohno, Editor você deixou em evidência e detalhada essa relação editor e ilustrador é uma das principais identidades nas obras de Massao. Poderia contar um pouco dessa relação artística-editorial que Massao Ohno teve com os seus parceiros ilustradores?
JAPS: Com a Coleção dos Novíssimos. os projetos gráficos de Massao ganharam identidade com a parceria dos artistas plásticos Acácio Assunção, Joao Suzuki, Manabu Mabe, Cyro Del Nero e Wesley Duke Lee, que colaboraram na definição de capa, formato e suporte. Em outros títulos lançados até 1964, Tide Hellmeister se incorporou à editora, e foi o mais efetivo no papel de designer. O contato inicial de Massao com artistas plásticos se deu dos salões de arte dos pintores nipo-brasileiros no Bairro da Liberdade, organizados pelo Grupo Seibi-kai, onde encontrou um de seus primeiros parceiros, João Suzuki, além de Yoshiya Takaoka, Yuji Tamaki, Tomo Handa, Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Massao e Alina Okinaka, Tomoshige Kusuno, Kazuo Wakabayashi e Yutaka Toyota. Todos eles, em algum momento estiveram presentes nas edições de Massao. Outro artista de sua preferência foi Arcangelo Ianelli. Dele reproduziu mais de vinte obras em capas de suas edições, algumas até repetidas.
Em sua opinião, por que a questão estética (da concepção editorial do livro enquanto objeto) era tão importante para ele, em uma época na qual esse tipo de preocupação não era tão comum?
JAPS: A questão estética era fundamental para Massao. Ele está no grupo de pequenos editores independentes (uns poucos) que deram ao livro características especiais. Era meticuloso no seu trabalho. Testava imagens, fontes, formatos até chegar a um resultado satisfatório. Isso num tempo em que não se dispunha de recursos digitais. Tinha até algumas manias. Não gostava de numerar as páginas dos livros de poesia. Dizia que isso “sujava” a página. A qualidade moderna de suas edições pode ser percebida desde a lombada.
Em um tempo no qual o livro digital toma conta, rememorar a obra de Massao Ohno pode ter relevância para os novos leitores (como você mesmo lembra na dedicatória)? Como a obra de Ohno pode despertar o interesse da geração de leitores de e-books? Ou, por outra: essa nova geração ainda pode ser provocada pela ideia do livro enquanto objeto de desejo?
JAPS: Minha expectativa, além do propósito documental, é despertar em novos leitores o interesse pelo livro. A concretude de um livro sempre será objeto de desejo. Além dos temas que o interessam, o frequentador de uma livraria sempre pode ser seduzido por um título, pelo desenho de uma capa ou pelo projeto editorial bem-acabado.
Comprei o livro sobre Massao Ohno de José Armando Pereira da Silva. Tive grande interesse pela obra, quando foi lançada em 2019, mas só vim comprar o livro no final de 2020 porque estava fazendo um curso na USP e um dos seminários foi sobre o Massao Ohno. Além do interesse pelo livro, outro fator me levava a comprar o livro foi que Massao Ohno editou um livro de contos da minha mãe em 1987: A vida em Tom Menor. E fiquei muito feliz ao ver o nome do livro da minha mãe: Maria Lucia Silveira Rangel, citado na página 274. Para finalizar, gostaria muito de destacar o belíssimo trabalho do Sr José pela historicidade, a valorização de um editor tão importante. Tenho boas lembranças do Massao Ohno, pelas falas de minha mãe e que só se confirmaram neste livro magnífico! Muito obrigada!!!
Nós agradecemos pelo elogio!