Hoje, o discurso principal do PT é o social, não mais o ético ou o marxista
Lincoln Secco | Folha de S. Paulo | Opinião
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Historicamente, o PT acumulou três camadas de discurso: ideológica, ética e social. Embora fossem inseparáveis, elas tinham temporalidades diversas e provinham, respectivamente:
– dos aportes marxistas que o PT recebeu na sua fundação;
– de uma militância que transitava para a ordem, mas ainda se via fora dela:
– e da experiência das comunidades eclesiais de base.
Já em 2002, o PT acreditou que era preciso ocultar o discurso socialista para eleger Lula. Foi em 2005, porém, que o partido viveu a maior crise de sua história. Naquele ano, o escândalo do mensalão derrubou o discurso sobre a “ética na política” e abateu o seu núcleo dirigente. A crise foi uma ruptura na sua história. Pela primeira vez na história, o PT assumia o papel de vilão no teatro das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Com a exceção de vozes isoladas no partido, como José Dirceu, que se recusou a renunciar ao mandato de deputado para evitar a sua cassação, a maioria das figuras públicas petistas se escondeu para salvar a própria pele. E quando todos vaticinavam o fim de Lula e do PT, eis que eles se erguem dos escombros com aquilo que tinha sobrado do patrimônio histórico petista. Era o discurso social, que assumia o primeiro plano.
Isso fez a oposição acreditar que o povo aceitava a corrupção em troca de recursos do Esado. Não percebia que, apesar de tudo, as classes desamparadas apoiariam o PT, em nome dos programas governamentais que interessavam a elas. Obviamente não foi assim que os dirigentes petistas pensaram. Uns saíram, outros simplesmente voltaram à rotina. Mas o PT mudou.
Aquela agremiação de forte marca social incorporou outra base. Mais de três quartos dos atuais filiados ingressaram durante os dois mandatos de Lula. Talvez atraídos pelas oportunidades de carreira que um partido de governo oferece, mas também pela identificação de classe. Não é que os novos filiados sejam necessariamente avessos aos conteúdos socialistas, mas a forma discursiva que encantava a velha militância de classe média parece ser de outro tempo.
O julgamento de STF não mudará este PT. O respaldo que ele tem não depende do que se lê nos autos do processo. É que o julgamento político já foi feito. Se os réus vierem a ser condenados, nada de novo se acrescentará à imagem do partido. Se forem absolvidos, quem lhes devolverá os anos de ostracismo?
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Lincoln Secco é professor de história contemporânea na USP e autor de História do PT
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Em vez de escrever um livro acadêmico ele preferiu uma história ensaística voltada aos que “trabalham” com o PT: jornalistas, cientistas políticos, pesquisadores estrangeiros e militantes políticos. A obra visa também os jovens. Por isso, traz um mapa das tendências petistas ao longo de sua história, glossário do jargão interno e cronologia.
A obra acompanha a trajetória petista desde a greve da Scânia em 1978 até a vitória de Dilma Rousseff. Mostra como o PT passou de um ator social radical a um integrante da ordem política estabelecida, cresceu eleitoralmente, perdeu seu ímpeto militante e se tornou uma máquina de governo, atravessando escândalos de corrupção, perseguições de seus adversários e chegando a uma surpreendente hegemonia política no Brasil. Saiba mais
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