Em 2018, a Constituição brasileira completou trinta anos. Conhecida como “Constituição Cidadã”, um de seus principais méritos foi ter ampliado direitos individuais e coletivos num contexto de abertura do país para o regime democrático. Dentre os muitos avanços em relação aos direitos fundamentais, destaca-se o Capítulo “Dos Índios”, que reconhece aos povos indígenas a legitimidade de suas organizações sociais e tradições culturais, além de seus direitos originários às terras que tradicionalmente ocupam.
Hoje, esses direitos têm sido alvo de constantes ofensivas em favor dos interesses do agronegócio, mineradoras e grandes projetos de infraestrutura. Neste livro, reunimos depoimentos de pessoas que exerceram papéis importantes na definição dos direitos indígenas na Constituição e de alguns dos atuais protagonistas na luta pela sua manutenção face às diversas ações contemporâneas que visam a reduzi-los. O resultado é um diálogo entre gerações, que recupera a memória da mobilização em favor da continuidade da luta.
A mobilização da sociedade civil em torno da definição dos direitos indígenas que foram afinal reconhecidos na Constituição remonta a finais da década de 1970. Naquela época, índio era uma condição transitória e fadada à extinção, e os povos indígenas eram tutelados pelo Estado até que se completasse o processo de sua aculturação, momento a partir do qual perderiam seus direitos à terra e passariam a integrar a comunhão nacional como trabalhadores do campo. Em 1978, um projeto de emancipação dos índios ditos aculturados – que já estariam confundidos com a massa da população, e cujas terras seriam entregues aos interesses do mercado – foi o estopim para a emergência de uma mobilização política de setores que se posicionaram contra essa medida, relativamente marginal para os interesses da população como um todo, mas que acabou, no entanto, canalizando outras queixas da sociedade que não podiam ser publicamente expressas – o país ainda se encontrava sob o regime instaurado pelo AI-5.
Artionka Capiberibe é doutora em Antropologia Social (Museu Nacional/UFRJ), professora do departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autora do livro Batismo de Fogo: os Palikur e o Cristianismo (2007), indicado ao prêmio Jabuti. Escreve sobre cristianismo entre populações indígenas, questões de desenvolvimento local, cosmopolíticas indígenas, relações entre os povos indígenas e o Estado brasileiro (legislativo, executivo e judiciário), fronteiras e migrações, e patrimônio cultural intangível.
Camila Loureiro Dias é doutora em História, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult). É colaboradora do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) e do Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento, da Universidade de São Paulo (USP). Investiga a relação dos povos indígenas com os Estados que se implantaram em seus territórios originais, desde o período colonial até os dias de hoje.