Aziz Ab’Saber desvendou não só detalhes das leis da natureza, mas também observou a organização da sociedade e suas contradições
Vicente Eudes Lemos Alves / Revista Carta Fundamental
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Os grandes romances e o ambiente
A formação acadêmica e humanista de Aziz Ab’Saber foi também inspirada na produção literária, especialmente a de caráter regional. Ele fazia questão de lembrar que a leitura de importantes romancistas representava o passaporte para o resgate de uma gama de elementos presentes na paisagem e que as narrativas dos romances permitiam explicar a geografia no seu sentido mais amplo, incluindo tanto a natureza quanto o homem. Foi um leitor atento dos seguintes romances: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha; “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos; “Capitães da Areia e Jubiabá”, de Jorge Amado, entre muitos outros. Em algumas dessas obras aparecem características associadas à dinâmica da natureza, mas também as mazelas humanas, como as grandes desigualdades sociais, em lugares marcados pela concentração da propriedade da terra e pela exploração da população mais pobre. Contrastes semelhantes ao que o professor verificou em seus trabalhos de campo tanto sítio urbano da cidade de São Paulo e em seus arredores quanto nos distintos lugares do Brasil por onde ele passou.
Ab’Saber obteve reconhecimento também por seus estudos e atuações em favor da causa ambiental. No Brasil, foi um dos primeiros a ser reconhecido como ambientalista por sua obstinação pela preservação das áreas naturais, já prevendo que esse seria um dos grandes problemas que a humanidade enfrentaria no fim do século XX e início deste novo milênio. Quando foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de 1993 a 1995, conclamava os pesquisadores brasileiros a realizar estudos que tivessem caráter interdisciplinar e lhes chamava a atenção para nossas riquezas naturais. Foi, nesse sentido, um defensor da Amazônia e do uso racional dos seus recursos naturais e da preservação dos modos de vida das populações dessa região. Com essa mesma ênfase defendeu, nos anos 1990, a não privatizacão da Companhia Vale do Rio Doce, um patrimônio da sociedade brasileira que estava sendo usurpado pelos representantes do neoliberalismo, sem que esses esboçassem qualquer compromisso pelo bem-estar da nossa população.
Biografia
Aziz Ab’Saber assistiu e participou de alguns dos grandes eventos da história do Brasil. Nascido em 1924, em São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista, mudou-se para São Paulo ainda jovem, em 1939. Entre os anos de 1940 e 1944, freqüentou o curso de História e Geografia na antiga Faculdade de Filosofia da USP, onde foi aluno de importantes professores como Pierre Monbeig e Roger Bastide. Torna-se professor da USP em 1965. Durante a sua trajetória acadêmica, produziu vasta obra científica e ocupou cargos em diversas instituições.
O professor Ab’Saber pertencia a um grupo de expoentes intelectuais que não via a academia apenas como um lugar de produção de conhecimento destinada a uma parcela privilegiada da população ou de poucas empresas hegemônicas. Antes, acreditava que a universidade deveria cumprir o seu papel social, de produzir conhecimento também para o excluídos, exatamente os que mais necessitam dos avanços conquistados pela academia. Por isso, pregava uma democratização desse espaço de produção do conhecimento, rompendo os seus muros e irradiando o conhecimento gerado para os diversos cantos do País. Essa democratização, entretanto, passa também, segundo avaliava, pelo acesso dos pobres à universidade e, nesse sentido, foi um incansável defensor de melhorias nas escolas públicas do Ensino Básico, por achar que essa seria a melhor alternativa para que o Brasil verdadeiramente se transformasse numa nação. Foi com esse espírito humanista que ele também se juntou aos movimentos sociais, buscando apoiá-los em suas manifestações, especialmente naquelas que lhes davam mais possibilidades de exercer a sua cidadania.
O acesso das pessoas ao livro, por exemplo, foi uma das suas buscas obstinadas. Para ele, a leitura permitia o ser humano alcançar novas descobertas e se emancipar das amarras das classes dominantes. Por isso, empreendeu uma luta para ampliar os canais de leitura nas periferias das grandes cidades, especialmente do estado de São Paulo.
A Geografia em sala
A mesma dedicação que possuía em relação à pesquisa, ao trabalho de difundir atividades de leitura ou de defender a nossa biodiversidade, também demonstrava em relação ao ensino de Geografia. Preocupou-se sempre em fazer mais acessível às pessoas aos seus estudos, produzindo material didático que pudesse ser utilizado no ensino da disciplina. Como professor, não fazia distinção se o local era uma universidade renomada ou um pequeno salão coberto por lona, se era para alunos de pós-graduação ou pré-vestibulandos da periferia, a postura sempre foi a mesma e com o mesmo entusiasmo discutia seus apontamentos.
A erudição era ponto de destaque em suas aulas, entretanto, sem que a análise de uma teoria se transformasse em algo que pudesse caminhar para a incompreensão de seus alunos e/ou ouvintes. Ab’Saber possuía uma didática invejável. Nas suas exposições eram transmitidos os conceitos de determinados fenômenos físicos ou humanos com todo o rigor acadêmico, mas também para ensiná-los recorria a situações do cotidiano, contadas freqüentemente com muito humor.
Essa maneira de ensinar do professor Ab’Saber, combinada com o seu amplo conhecimento teórico e empírico das dinâmicas geográficas, especialmente do território brasileiro, fazia com que as salas de aula, os anfiteatros ou qualquer outro recinto estivessem sempre lotados por distintos tipos de público, especialmente por jovens estudantes que viam no discurso do velho professor a proposição de questões muito atuais sobre os problemas do mundo contemporâneo.
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