John Boyne escreveu o rascunho de O Menino do Pijama Listrado, publicado em 2006, em dois dias e meio de pouco sono, segundo ele mesmo. O autor irlandês levou com a obra os prêmios People’s Choice Book of the Year e o Children’s Book of the Year, ambos de seu país natal. O Best-seller foi traduzido ao cinema em 2008, sob direção de Mark Herman, com uma escolha de elenco que vestiu com perfeição os personagens literários. A experiência cinematográfica agradou ao autor, que esteve presente nas gravações.
O enredo expõe a amizade de dois meninos que vivenciam os opostos da Segunda Guerra Mundial; um é filho de soldado e outro, um judeu. Com uma narração sutil, que nem uma vez menciona diretamente a guerra, John Boyne nos leva ao coração de Bruno, protagonista, doce jovem que encontra dificuldades em entender o contexto histórico em que está inserido. Infinitamente mais apaixonante no livro do que no filme, Bruno conquista o leitor a cada página com sua inocência, humor e infantilidade.
É com sofisticado humor que Bruno confronta seus pais a respeito da vida que lhe foi imposta, e com inigualável encanto que se aproxima de Shmuel, seu amigo de pijamas. Por vezes, o livro aproxima tanto o leitor do garoto, que apesar de ser narrado em terceira pessoa, engana por algumas páginas, dando a sensação de que o narrador é Bruno.
Além de um belíssimo enredo, o autor cria uma tensão a cada final de capítulo, que liga o leitor ao começo do capítulo seguinte. Boyne calmamente nos introduz à vida da família, nos insere na mentalidade de cada personagem e, muito veladamente, menciona o contexto nazista e apresenta as opiniões dos personagens em relação ao regime.
Em contrapartida ao velado regime do livro, o filme abre com os créditos sobre as cores da bandeira nazista, dilatando em seguida o plano para a bandeira completa. Isso não o faz merecedor de críticas, uma vez que lidamos com diferentes tipos de arte. O uso da cor, dos planos e movimentos de câmera, entre outros elementos, privilegia o cinema, que deve fazer uso deles. Mas somente um livro pode ser sutilmente intrigante; dizer muito e pouco simultaneamente.
O que caracteriza falha, no entanto, é o modo como o longa-metragem se faz infiel à literatura, com algumas mudanças significativas no enredo. Lamentavelmente, Bruno perde bastante da sua “graça” na transposição da obra. Sendo o personagem mais rico do livro, gera bastante expectativa para quem leu a obra antes.
De modo geral, os personagens foram linearizados e classificados em “bons” ou “maus”. O livro permite uma análise mais profunda dos personagens. Por vezes o tenente alemão Kotler pode ser até simpático, e a figura do tutor não se faz tão rigidamente.
A versão cinematográfica deixou de registrar a importância da amizade para ambos os meninos, bem como a diferença de amadurecimento que há entre os dois devido às diferentes experiências a que foram expostos. O laço criado entre os garotos no livro é mais forte; há mais compaixão e lealdade. Shmuel priva Bruno de algumas verdades, pois tem consciência do que está passando no campo de concentração, e sabe que Bruno não tem.
A força do filme está no elenco. As atuações dos pais de Bruno, interpretados por David Thewlis e Vera Farmiga, refletem bem o espírito do livro. Excelente é a atuação de Rupert Friend, no papel do Tenente Kotler, e, apesar de estar em segundo plano, é brilhante a forma como David Hayman emocionou com Pavel, o descascador de legumes. Todos os soldados aparecem com ímpar imponência, retratando fielmente a imagem de que eles gozavam na época.
O longa-metragem acabou sendo uma descrição mais forte, menos discreta quanto a violências e elementos mais perturbantes que caracterizam a guerra; contrapondo-se à doçura e sutileza do correspondente literário.
Pela primeira vez nesse blog, deixo escapar minha preferência pela literatura. Mas seja dito que O Menino do Pijama Listrado conquistará de qualquer forma. Até porque, o clímax, que é justamente o fim, foi mantido na adaptação. E como não sou estraga-prazeres, digo somente que achei genial.
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Diferentemente de Laura, minha preferência está no cinema, adoro uma telona. Mas na leitura de seu texto uma curiosidade de devorar o livro e descobrir essas diferenças. Despertar o desejo e curiosidade de ler é um aspecto interessante no seu texto. Abraço
Muito interessante a forma como você retratou a doçura de Bruno e sua inocência, mesmo em meio a Segunda Guerra, ele não perdeu o sutil carisma em momento nenhum. Comprei o livro a poucas semanas, mas só comecei a ler faz uma semana, e achei-o muito interessante.
Olá Hélida, agradeço o comentário. De fato, achei o livro muito doce, apesar de tratar de um tema tão brutal. Espero que você goste do livro!
Beijos.