Be Style entrevista Adriana Marcolini, autora do guia 50 Livrarias de Buenos Aires.
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“São as pequenas livrarias que fazem a diferença, que têm ‘alma’. Várias delas têm frequentadores habitués, que são conhecidos pelo nome.” Adriana Marcolini
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“Gostaria que o guia servisse como um estímulo aos leitores – e aos livreiros – brasileiros… [Os pais] devem instigar as crianças a viajarem por ‘mares nunca dantes navegados’ através das letras.” Adriana Marcolini
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Eduardo Lemos Martins
Não é preciso apelar à lendária e, por isso, fantasiosa expressão “Buenos Aires tem mais livrarias do que em todo o Brasil”. Eleita Capital Mundial do Livro pela Unesco, em 2011, a cidade possui a incontestável média de uma livraria para cada seis mil habitantes. Em solo verde-amarelo, existem 64 mil brasileiros para cada loja de livros.
Parafraseando o bom baiano, cabe a pergunta: o que é que a Argentina tem? Parte da resposta você pode encontrar no livro “50 Livrarias de Buenos Aires” (Ateliê Editorial), da jornalista e escritora Adriana Marcolini. Ela catalogou os principais sebos, bibliotecas e livrarias de Buenos Aires nesta obra que mescla fotos, informações turísticas e histórias curiosas dos estabelecimentos escolhidos. Ao fazer isto, a autora – que é brasileira, veja só – não presta somente um grande serviço àqueles que estão em busca de aventuras literárias em terras portenhas, como também reacende a velha chama do descaso brasileiro para com a literatura.
Nesta entrevista exclusiva ao Be Style, Adriana conta como os argentinos receberam seu livro, revela os critérios para selecionar apenas 50 das mais de 400 livrarias da cidade e arrisca: o segredo dos hermanos pode estar, simplesmente, em sua relação destemida com a leitura.
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Be Style: Adriana, primeiramente, gostaria de saber sobre seu interesse por livros. Isto sempre te acompanhou ou surgiu depois que você começou a atuar como jornalista?
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Adriana Marcolini: Comecei a gostar de ler ainda na infância e depois nunca mais parei. Ler é como viajar… Você sai daquele mundo que te rodeia e embarca em outro universo.
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Be Style: O livro “50 Livrarias de Buenos Aires” é dividido em informações, fotos, dicas e histórias curiosas. Como você definiu que o formato de guia seria a melhor opção para juntar estes diversos enfoques?
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Adriana Marcolini: Desde o começo do trabalho quis fazer um guia. A ideia surgiu em 2009, depois que publiquei uma matéria na revista Lugar (editada pela Folha de S.Paulo, mas hoje extinta), sobre 14 livrarias portenhas. Era em formato de roteiro. Quando fui presentear os livreiros participantes com a revista, vários me disseram que haviam recebido clientes brasileiros com um exemplar debaixo do braço, ou seja, os leitores da revista haviam sido ‘fisgados’ pela matéria. Pouco tempo depois, Buenos Aires foi escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Capital Mundial do Livro (abril 2011/abril 2012). Percebi que aquele era o momento adequado para produzir o guia.
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Be Style: A capital argentina possui quase 400 livrarias. Quais foram os critérios que você utilizou para selecionar apenas 50?
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Adriana Marcolini: Embora o guia tenha várias livrarias grandes, priorizei as pequenas. Em primeiro lugar, por em geral os turistas brasileiros conhecerem as de grande porte, uma vez que elas estão nas avenidas Corrientes e Santa Fé, que são locais de grande fluxo turístico. No entanto, são as pequenas livrarias que fazem a diferença, que têm ‘alma’. Várias delas têm frequentadores habitués, que são conhecidos pelo nome.
Também fiz questão de atender a uma gama variada de interesses profissionais e pessoais, a fim de atingir um público amplo. Incluí, por exemplo, um estabelecimento especializado em obras jurídicas, uma livraria de arquitetura, duas na área de cinema, e assim por diante.
Outro critério de seleção foi inserir aquelas “étnicas”, ou seja, as que representam a cultura e o idioma de um país. A livraria italiana é um exemplo. Finalmente, não quis deixar de acrescentar os sebos e as livrarias antiquárias. Buenos Aires é muito conhecida por esses estabelecimentos, que são um verdadeiro tesouro.
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Be Style: Como foi a repercussão do livro na cidade? Já existia algum trabalho sobre o tema realizado por argentinos?
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Adriana Marcolini: Em novembro de 2011, fiz uma apresentação do guia na Fundação Centro de Estudos Brasileiros, um órgão ligado à embaixada do Brasil na Argentina, que oferece cursos de português e cultura brasileira. A apresentação foi realizada em trio: o fotógrafo argentino Alejandro Lipszyc, autor das fotos do livro, eu e o vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, Bernardo Gurbanov – um argentino residente no Brasil há mais de 30 anos. Todos os livreiros cujos estabelecimentos estão no guia foram convidados e a maioria compareceu. Cada um deles recebeu um exemplar de presente.
Foi uma noite especial. Gurbanov foi convidado a participar da mesa porque ele conhece profundamente a realidade do livro nos dois países e fez uma exposição muito interessante. Os livreiros gostaram muito do guia e se sentiram valorizados, sobretudo ao ver que uma estrangeira se interessou pelo trabalho deles. Vários já me disseram que receberam clientes brasileiros graças ao meu livro. Isto me deixa muito contente.
Já havia um guia publicado em Buenos Aires; o autor é o livreiro argentino Guido Indij. Chama-se El Libro de los Libros: Guía de Librerías de la Ciudad de Buenos Aires. Utilizei este livro como fonte e o mencionei na minha bibliografia.
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Be Style: Além de servir como guia para os amantes da literatura que estejam de viagem marcada para Buenos Aires, o livro acaba sendo, de certa forma, um tapa na cara da realidade brasileira sempre muito distante dos livros e do universo que os compõe. Você também viu sua obra como uma forma de criticar a atual situação do nosso país onde, segundo recente pesquisa do Instituto Pró-Livro , apenas 1 em cada 4 brasileiros leram um livro no último ano?
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Adriana Marcolini: Gostaria que o guia servisse como um estímulo aos leitores – e aos livreiros – brasileiros. Seria muito bom se as pessoas aqui dessem mais valor à leitura, mas acredito que ler seja um hábito que (em termos ideais) deve começar a ser cultivado na infância ou na adolescência. Os pais e, na medida do possível, os avós, têm um papel muito importante nisso. Eles devem instigar as crianças a viajarem por “mares nunca dantes navegados” através das letras. Ler ativa a imaginação e o raciocínio; o cérebro fica ativo e não passivo – como acontece com a televisão.
Gostaria de reforçar que o guia é um pequeno testemunho da diversidade livreira e editorial que a cidade de Buenos Aires oferece. Quem sabe, um dia, tenhamos mais variedade de títulos por aqui. A meu ver, as livrarias enormes não oferecem uma variedade grande de títulos; elas priorizam os best-sellers e costumam ter muitos exemplares, mas não escolhem “a dedo” o que vão colocar nas prateleiras. As editoras oferecem descontos para que o dono da livraria exponha suas obras na vitrine, ou em um canto especial da loja.
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Be Style: No livro você conta alguns acontecimentos históricos que influenciaram a disseminação da leitura na Argentina e, em especial, na cidade de Buenos Aires. A que se deve a manutenção da paixão do argentino pela literatura, que se mantém até hoje?
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Adriana Marcolini: É importante ressaltar que a paixão dos argentinos pela literatura, e pelos livros em geral, não se estende a todo o país. O hábito da leitura é muito difundido em Buenos Aires, La Plata, Rosario e Córdoba, ou seja, as regiões mais populosas e economicamente mais importantes do país. Em primeiro lugar, acredito que o hábito da leitura ainda se mantenha nessas regiões porque há muitas atividades de incentivo, como encontros de poesia e seminários de literatura, bastante divulgados.
Boa parte dessas iniciativas é promovida pelas próprias livrarias. Elas sabem que promover atividades é uma maneira de manter e até aumentar a clientela. Também há iniciativas realizadas pelo governo, como a “Noite das Livrarias”, que acontece sempre em meados de dezembro em Buenos Aires. Nesta ocasião, muitos estabelecimentos da cidade só fecham por volta das 2h da manhã. Mas há outros fatores que contribuem para a manutenção do hábito da leitura: o preço dos livros, que ainda é mais baixo que no Brasil, é um deles.
Há outro aspecto simples, mas importante: o fato de não considerar o livro como uma ‘coisa difícil’, ‘só para poucos’, mas como um ‘companheiro’, da mesma forma que uma bolsa ou uma blusa à qual temos um apreço especial. Creio que a paixão pelo livro pode se perpetuar de pai para filho, de irmão para irmão, de amigo para amigo, justamente porque é uma paixão – e acredito que isto contribua para que o hábito da leitura ainda se mantenha na Argentina.
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Be Style: Existe alguma característica comum às livrarias argentinas que tenha te chamado atenção?
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Adriana Marcolini: Como o idioma espanhol é bem mais importante que o português, uma característica comum talvez seja a profusão de títulos nas mais diversas áreas.
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Be Style: Você pensa nas futuras edições do livro, com atualizações e inserção de novas livrarias e histórias?
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Adriana Marcolini: Se tudo der certo, é bem provável que seja publicada uma nova edição até o final de 2012. Vou atualizar alguns dados e substituir uma livraria que fechou, a 1690 Tierra Adentro. Gostaria de incluir cinco livrarias de Montevidéu, mas ainda não tenho certeza.
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Be Style: Por fim: há ideias para outros livros?
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Adriana Marcolini: Sim. Gostaria de dar continuidade a esta temática, produzindo, inicialmente, um guia de livrarias de São Paulo e Rio, e em seguida outro, reunindo livrarias de alguns países europeus. Mas tudo isso depende de verba e agora estou à procura de financiamento. Mais adiante gostaria de publicar obras sobre outros temas.
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Além da questão de idiosincracia, um dos motivos pelos quais o brasileiro lê pouco é o preço exorbitante dos livros. No Brasil o livro é artigo de luxo para consumo da classe média acomodada. Basta um passeio pelas livrarias para notar que o livro mais comum oferecido é o de capa dura, edição cuidada, destinado a ser exibido na sala de estar mais do que propriamente lido. As versões mais baratas (paperback en inglês raramente são encontradas). No geral, livros são quatro ou cinco vezes mais caros no Brasil do que nos EUA ou Europa.