Em sua obra mais recente, o músico e professor Titular do Departamento de Linguística da FFLCH-USP, Luiz Tatit, apresenta conceitos estabelecidos pelo linguista Algirdas Julius Greimas, a trajetória de pesquisa de Claude Zilberberg, o que esta acrescentou àquela e utiliza os conceitos da semiótica tensiva para analisar canções (como A Noite do Meu Bem e Aquele Abraço) e textos literários (como “O Espelho”, de Guimarães Rosa). A ênfase aqui é na prosódia e na tentativa de compreender como ela interfere na construção do sentido.
A seguir, Luiz Tatit fala ao Blog da Ateliê sobre Passos da Semiótica Tensiva:
Como podemos definir a semiótica tensiva?
Luiz Tatit: A semiótica proposta e desenvolvida por Greimas a partir dos anos 1960 sempre teve como meta explicar a construção do sentido nos textos verbais ou não-verbais (cinema, música, artes visuais, dança etc.). De modo geral, essa semiótica encontrou na gramática narrativa (aquela que estuda as funções que conduzem o sujeito ao seu objeto de busca) a sua base para o início das análises de todo tipo de texto. Ou seja, as implicações narrativas (ex.: um sujeito desperta em outro sujeito um “querer” conquistar determinado objeto, concreto ou abstrato, de modo que este último saia em busca de condições (“poder”) para adquiri-lo) trazem certa previsibilidade à descrição do texto, o que corresponde a uma gramática para se compreender o sentido. Essa semiótica narratológica trouxe um ponto de partida consistente para se estudar o sentido, mas os seus conceitos não davam conta dos acontecimentos inesperados nem das comoções afetivas que estão sempre presentes nos processos de significação. A semiótica tensiva estuda como esses fenômenos surpreendentes e esses impactos emocionais podem ser integrados na atual concepção de sentido. No primeiro caso, essa teoria importou da música a noção de “andamento” para avaliar o grau de velocidade com que uma grandeza (ou um fenômeno) ingressa no campo de percepção de um sujeito. A depender da reação deste sujeito, saberemos se tal grandeza chegou com alta velocidade (o que impede sua compreensão imediata) ou de forma desacelerada, trazendo elementos já assimilados pelo personagem. Claro que há uma gradação quase “infinita” entre esses extremos, o que justifica o adjetivo “tensiva” da atual semiótica. Além do andamento (acelerado/desacelerado), a teoria incorporou a noção de “tonicidade” (tônica/átona), aquela que aponta o grau de relevância emotiva de um acontecimento para o universo subjetivo do sujeito. O impacto de uma nova grandeza percebida pelo sujeito está sempre aumentando ou diminuindo de acordo com as circunstâncias relatadas no texto. Também aqui temos oscilações tensivas que podem ser representadas no esquema proposto à p. 109 do livro. Andamento e tonicidade são categorias lançadas por Claude Zilberberg para introduzir a “intensidade” no mundo da teoria semiótica. E intensidade é um dos pilares da semiótica tensiva.
A que áreas do conhecimento ela se relaciona e de que maneira pode ser aplicada?
LT: Como se trata de descrição do sentido criado nos textos (verbais e não-verbais), a semiótica tensiva é uma teoria que poderia contribuir para todas as áreas das ciências humanas. A aplicação não é automática. Depende de uma boa compreensão do modelo teórico, daí a necessidade desta publicação. Passos da Semiótica Tensiva traz exemplos de aplicação na linguagem verbal cotidiana, na literatura (Guimarães Rosa) e na canção brasileira.
Como foi feita a escolha dos temas que compõem sua pesquisa? De que maneira os aglutinou?
LT: Os seis capítulos iniciais apontam as carências da semiótica narratológica e as aquisições teóricas do pensamento tensivo. À luz do novo modelo, os capítulos seguintes examinam o funcionamento natural da nossa linguagem cotidiana, a semiótica não declarada de Guimarães Rosa e, especialmente, o mundo da canção.
Está na introdução do livro que “Este pesquisador conseguiu encontrar as pistas de um novo caminho para a semiótica, mais afeito aos fenômenos sensíveis e imprevisíveis que se apresentam nos processos de significação”. Que pistas foram estas?
LT: São numerosas as pistas encontradas por Claude Zilberberg (semioticista que faleceu em 2019). Uma das mais importantes foi a ausência da “intensidade” na semiótica de Greimas. Seguindo intuições contidas nos aforismos de Paul Valéry e aspectos cruciais do pensamento filosófico de Ernst Cassirer, entre outros autores, Zilberberg desenvolveu a contento os conceitos de andamento e tonicidade já comentados.
Em sua opinião, quais foram os principais “achados” da pesquisa?
LT: Um dos principais conceitos analisados neste volume é o de “prosodização”. A prosódia, como se sabe, estuda a melodia (ou entoação) que acompanha nossos discursos diários. O seu movimento ascendente, em direção ao acento principal de uma ou diversas frases, e seu descenso asseverativo ou conclusivo podem ser tomados como modelo epistemológico para se pensar a intensidade que oscila permanentemente em nossas avaliações discursivas: ora damos mais ênfase a um determinado conteúdo elevando a melodia que o acompanha, ora distendemos esse acento para indicar menos tonicidade naquilo que estamos proferindo. Todas as mensagens que entram no nosso campo perceptivo recebem esse tipo de avaliação.
Mas como a prosódia também opera com as relações entre entoação e frases linguísticas em nosso discurso cotidiano, sua atuação pode também ser observada no reino da canção onde produzimos elos entre melodia e letra. Essas duas frentes prosódicas (teórica e aplicativa, no caso da canção) são tratadas nos capítulos do livro.
Haverá continuidade dessa pesquisa? Quais os caminhos mais lhe interessam nesse estudo?
LT: Desenvolvo esses trabalhos – de desenvolvimento da teoria semiótica e de aplicação na canção brasileira – desde minha dissertação de mestrado, no longínquo ano de 1982. Se não parei até agora é porque essa linha de pesquisa é fecunda demais para ter um final. Interesso-me por aprimorar continuamente os princípios teóricos da semiótica tensiva e por detalhar cada vez mais a linguagem da canção brasileira.