Nove Degraus para o Esquecimento
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Na tela do poeta, as peças se movimentam nos contornos, e dobram-se à luz varada pelo toque úmido dos pincéis. Os poros da pintura, as palavras, na poesia de Aguinaldo Gonçalves, se tramam como serpentes, procurando, na memória da tela, os degraus para o esquecimento, essa viagem cuja poesia alcança os mais sutis laivos do desejo. Assim como um Daimon, a poesia adentra o corpo do sujeito: “Um sol emergiu no alto de minha cabeça / E foi penetrando para dentro de meu corpo”; “Tornei-me sol em plena meia-noite”; “Um sol rasante e sonolento / Dominou meu corpo inteiro”. O que é o corpo senão essa esfera tardia do esquecimento? Como recompor das sobras e dos escombros o corpo que se percebe, agora, um prisma? Por qual viés debulhar a matéria alquímica que se dispersa até encontrar seu poder de forma? O retrato do sujeito, sua identidade íntima, confunde-se com a poesia que se procura num processo crítico de autodevoração. Na dança prismática do signo poético, o método é proposto: é do âmbito das artes plásticas, especialmente pelo viés da bricolagem, que a poesia se ergue como um gesto de renúncia ao esquecimento. E eis aqui o paradoxo maior: à medida que avança, o acaso encontra Drummond no olhar que mira o bule vermelho, a ecoar no seu silêncio de ágata descamada a navalha do tempo. A resistência à dissipação é fruto da consciência dos degraus que vai tecendo a poesia rumo ao esquecimento. A poesia resiste porque se nutre da forma que devora, como um Eros esfaimado, que sabe tecer com sua sedutora beleza os filamentos da retina que mira os pombos de Valéry, a vasculhar migalhas e vestígios da memória: “posta ao acaso gera forma / E desta forma se revela”. O que deseja o corpo do sujeito a não ser a visão perdida no desequilíbrio das molduras vivas como “pedaços de vida”? [Susanna Busato]
Ilustrações: Efigênia Helu, Geraldo Matos e Sebastião Rodrigues
Descrição
Um sol emergiu
Ampulhetas finas
Até a caída da noite
a solidão agoniza
na encruzilhada da luz
ter vivido tanto
tirar esses vestígios
Aquele bule vermelho
deste ponto vejo
E deste ponto
escorre pelos vãos do asfalto
tempo selvagem
Tom entretom
Eles (os pombos)
as marcas mais expressivas
perderei nesta alegoria
Sombras vãs
Passadas abertas
Minha identidade
Precisa ao ser imagem
Agônica força
Idêntico. Na mesma forma
Idêntico. No dessemelhante
não é assim
o que me leva
Uma vermelhidão
Assim, Na emolduragem
essa compulsão aos pedaços de signos
é isso tudo que me faz
Tenro autorretrato com bacon frito
pela identidade me desfaço
na tua presença
em plena luz
em cegueira
quem será esta silhueta
na tua ausência
obrigo-me a recuar
Ditirambo
Estrito naufrágio de Rimbaud
Em mim em ti
Dói na vida
Minhas mãos
Eu aqui me inscrevo
À textura de meus sentidos
Com que matéria-prima
Natureza-morta com bule azul
Autorretrato
registro neste documento
A única moldura
Está difícil escrever
Eu escrevi minha história
Informação adicional
Peso | 0,620 kg |
---|---|
Dimensões | 18 × 27 × 1 cm |
Ano |
2017 |
Edição |
1ª |
Encadernação |
Capa dura |
ISBN |
978-85-7480-761-4 |
Páginas |
144 |
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Autores

Livre-docência pela UNESP (1997). Doutorado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada), pela Universidade de São Paulo (1988). Graduação em Letras, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São José do Rio Preto/ SP (1972). É poeta, escritor crítico de arte, teórico na área da Literatura e outros sistemas. Publica em áreas diversas da Literatura, com ênfase na Intersemiótica, nas relações homológicas entre palavra e imagem. Professor titular da UNESP e da PUC Goiás, atuando nos cursos de Mestrado e Doutorado em ambas instituições. Palestrante e conferencista nacional e internacional de temas abrangentes: literaturas e artes, entre outros.
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