No ano em que o arquiteto faria 110 anos, lançamento coloca luz sobre novos aspectos da obra do arquiteto carioca
Por Renata de Albuquerque
Morto há cinco anos, Oscar Niemeyer continua sendo uma referência fundamental quando o assunto é arquitetura, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A grandeza de sua obra permite que haja uma profusão de estudos a respeito e que, mesmo assim, novos aspectos sejam abordados a cada nova publicação, por meio de visões singulares. Quatro Ensaios Sobre Oscar Niemeyer, organizado por Paulo Bruna e Ingrid Quintana Guerrero, aborda sua obra em São Paulo, suas ligações com Le Corbusier, a crítica internacional e a arquitetura religiosa latinoamericana.
Para falar sobre o lançamento, a arquiteta colombiana concedeu uma entrevista para o Blog da Ateliê:
Qual a importância da publicação de “Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer”?
O livro oferece leituras inéditas da obra, discurso e influência de Oscar Niemeyer, dentro e fora do Brasil, sobre temas que parecem já esgotados: sua obra paulista; seu papel nos círculos internacionais da arquitetura, seu aprendizado dos grandes mestres e a recorrência dos programas religiosos nos encargos que recebeu. Autores como Hugo Segawa e Paulo Bruna são garantia da qualidade científica dos textos.
O que o leitor poderá encontrar nesse livro?
Apresentamos quatro textos, mais uma apresentação de Sylvia Ficher, professora da UnB. O primeiro deles, de Paulo Bruna, constitui uma revisão da profundidade da produção de Oscar Niemeyer no estado de São Paulo, com destaque aos projetos habitacionais , que hoje são cartões postais dessa cidade (o Copan; o edifício Montréal), sem esquecer sua intervenção mais ambiciosa nessa terra: o Parque do Ibirapuera. Por sua vez, Hugo Segawa reconstrói as opiniões da imprensa sobre a atuação internacional de Niemeyer, no período que vai da construção do emblemático pavilhão de Nova Iorque (com Lucio Costa, 1939), até o convite para erigir um novo pavilhão, na Serpentine Gallery (Londres, 2003). Ele revisa minuciosamente o episódio da constituição de uma equipe para a sede da ONU, decorrente do concurso ganho pelo jovem Niemeyer (1947). No seu texto, Rodrigo Queiroz, que há muitos anos investiga os traços de Le Corbusier na produção do carioca, revela os vínculos profundos entre a linguagem de ambos os arquitetos; vínculos que, por sinal, Niemeyer negou inúmeras vezes. Por fim, meu ensaio propõe uma leitura da produção de arquitetura religiosa latinoamericana em chave Niemeyer, em países como o México, a Colômbia e a Venezuela.
A obra pode chamar a atenção de leitores não ligados ao universo da arquitetura ou é dedicado apenas a profissionais da área? Por quê?
Eu acho que é um livro que, além de atrair profissionais da arquitetura (o texto de Rodrigo Queiroz aponta à universalidade de Niemeyer mediante sua relação plástica com a obra de outro gigante da arquitetura moderna, Le Corbusier), pode ser de interesse para os apaixonados pela história de São Paulo (o texto de Paulo Bruna oferece o panorama mais completo que eu já vi sobre a obra do carioca na capital paulista); para quem gosta das intrigas por trás dos encargos de arquitetura e da recepção e crítica desses pela mídia (texto de Hugo Segawa, com seu estilo único, quase de cronista); para quem estuda América Latina como bloco cultural e intelectual (acredito que meu texto contribui a essa perspectiva).
Existe uma vasta bibliografia sobre a obra de Niemeyer. De que maneira este livro se diferencia do que já existe no mercado editorial?
Qualquer resposta que eu der será fraca, considerando que todo dia, em algum canto do planeta, alguém publica uma tese, um artigo ou um livro sobre Niemeyer. Porém, Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer é mais do que uma coletânea: é um esforço de coletivo da equipe de pesquisa Arquitetura e Cidade Moderna e Contemporânea cujos membros, ao mesmo tempo, possuem abordagens e trajetórias totalmente diferentes. Isso só podia acontecer na FAU USP, a mais plural e cosmopolita das escolas de arquitetura brasileiras, embora sempre seja identificada com a herança de Vilanova Artigas e com o “brutalismo paulista”.
Neste ano, o arquiteto faria 110 anos e são lembrados os 5 anos de sua morte. Este pode ser considerado o “mote” do lançamento do livro ou há outras razões para tal publicação?
Sim. Infelizmente, inúmeros motivos fizeram com que a publicação, que iria aparecer no primeiro aniversário do falecimento de Niemeyer, fosse adiada. Daí que tivéssemos que revisar e atualizar os textos para sua publicação hoje. No entanto, o tempo passa muito rápido e nenhum desses perdeu vigência.
No texto de apresentação, Sylvia Ficher se refere a um livro que estaria prestes a ser lançado, uma coletânea em três seções. Há notícias sobre ele?
Sylvia é quem está envolvida no projeto. Ela diz que Andrey Schleee ela não perdem a esperança de conseguir publicar o projeto integral. Esperemos que isso aconteça em breve.
Foram escritos mais de 30 capítulos do trabalho ainda não editado. Como foi o processo de escolha desses 4 ensaios? Por que eles foram os escolhidos para fazer parte da edição da Ateliê?
Paulo Bruna, que fez parte da primeira iniciativa, na UnB, conhecia bem o material e fez a escolha. Na verdade, meu texto não faz parte desses 30 trabalhos: foi produto do convite que Paulo me fez diretamente. Ele conhecia bem minhas linhas de pesquisa e se interessou no olhar que uma arquiteta estrangeira como eu poderia aportar à leitura da obra de Oscar Niemeyer. Eu aceitei esse convite como um desafio, ainda maior considerando trajetória dos co-autores. Logicamente era pouco aquilo que eu podia acrescentar ao conhecimento de Niemeyer de uma perspectiva brasileira, daí que me concentrasse nos desdobramentos da sua obra na América do Sul. E me debrucei naquilo que eu acho mais fascinante da produção do carioca: sua arquitetura religiosa.
Ainda há muito a ser estudado sobre Oscar Niemeyer? O que, em sua opinião, ainda merece atenção dos pesquisadores? E de que forma este volume contribui com esta fortuna crítica?
Há alguns meses deixei o Brasil e voltei para meu país. Esse estranhamento, após ter vivenciado intensamente sua arquitetura, permitiu-me entender a dimensão monumental do legado de Niemeyer; sua universalidade e seu impacto até hoje.Com certeza, Niemeyer ainda é um dos maiores ícones da arte brasileira no mundo e referência vigente para os estudantes de arquitetura. Porém, o que dele se conhece lá fora é ainda uma versão carioca, ligada a sua produção fluminense e à riqueza visual que lhe forneceu o Rio de Janeiro. A atuação de Niemeyer fora do Rio e de Brasília, a profundidade do seu pensamento político, estético e social ficam num segundo lugar por causa da exuberância e sensualidade dos seus edifícios, apontadas desde a redação de Brazil Builds.
Meu ensaio e o texto de Rodrigo Queiroz contribuem a estender pontes entre Niemeyer e seus contemporâneos fora do Brasil, pontes delineadas pelas formas, mas sustentadas nas estratégias projetuais (que vão além da simples linha curva que imita o corpo feminino) e nas raízes culturais da condição latino-americana. Acredito que mais estrangeiros procurarão no Brasil as chaves para decifrar uma identidade própria e este livro suscitará novas questões neles.
Por que é importante conhecermos mais sobre a trajetória de Oscar Niemeyer?
Sylvia Ficher intitulou sua introdução “Niemeyer nunca é demais”. Concordo totalmente: quanto mais nos aprofundamos na sua produção, nos seus edifícios e nos seus desenhos, ficamos mais maravilhados pela sua criatividade, disciplina e coragem. Felizmente não é um caso isolado no Brasil: hoje Paulo Mendes da Rocha usufrui do prestígio e louvor da crítica especializada. Mas este não teve a sorte daquele, isto é, de agir em diferentes épocas e cenários, tão relevantes para a configuração histórica do continente americano moderno. Mesmo que não gostemos dos seus prédios, não é possível negarmos a condição de Niemeyer como mestre renascentista no meio do século 20: ativista comunista; homem da alta sociedade; poeta; pintor; arquiteto e urbanista. Sempre haverá uma lição para aprender nos seus bate-papos com sócios e amigos, nos seus croquis e na vitalidade que sua arquitetura oferece ao espaço urbano de cidades como São Paulo ou Belo Horizonte.