O Estado de S. Paulo | 25.01.2013
Somos todos vítimas
da última chacina.
Somos todos cúmplices
do próximo disparo.
Anchieta, do alto do
pátio:
“Ah terrível bombardada
Da morte espantosa!
Como vem guerreira
E temerosa!”
Uns, acordam para a
notícia:
a noite em dados
urgentes.
Números frios, outrora
vida,
agora, nus, indiferentes
Maneco grita do largo:
Cavaleiro das armas
escuras,
Onde vais pelas trevas
impuras
Com a espada sanguenta
na mão?
E a noite segue calma
Para quem se esconde,
segue jorrando sangue
para quem não há onde.
Mário prevê noite e dia:
dentro de muros sem
pulos
Mais uma volta
na fechadura
blinda a vida
contra revoltas
ou idas.
Oswald anuncia a
solidão:
Anoitece sobre os jardins
Jardim da Luz
Jardim da Praça da
República
Jardins das
platibandas
Noite
Noite de hotel
Chove chuva
choverando
Nada é mais noite (e
chuva)
do que noias sob o teto
do absurdo viaduto
triste projeto infecto.
Nada é mais chuva (e
noite)
do que choro de viúva
sobre o corpo rígido
podridão indiferente.
Haroldo entrevê nas
ruas:
enquanto
de lugares absolutos
debaixo dos viadutos
transeuntes exsurtos das
cor de urina
vesperais latrinas
das sentinas dissolutas
caminham
Hoje nada não
nem se comemora,
nem poesia,
nem memória.
Hoje a cidade
(seus mortos)
chora.
Décio cria a palavra
chave:
cadaverdade
.
Frederico Barbosa é poeta, autor de Rarefato (Iluminuras, 1990), Louco no Oco Sem Beiras – Anatomia da Depressão (Ateliê Editorial, 2001) e A Consciência do Zero (Lamparina, 2004), entre outros.
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