Entrevistas, Renata de Albuquerque

A arquitetura muito além da invenção de Oscar Niemeyer

Por Renata de Albuquerque

Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer, obra organizada por Ingrid Quintana Guerrero e Paulo Bruna e recém-lançada pela Ateliê Editorial, traz ao público textos com análises sobre pontos da criação do arquiteto carioca que parecem esgotados, mas não estão: sua obra em São Paulo, suas ligações com Le Corbusier, a crítica internacional e a arquitetura religiosa latino-americana. Autor do ensaio “A revisão crítica de Oscar Niemeyer”, que faz parte do livro, o Professor Livre-Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP) Rodrigo Queiroz fala hoje sobre a contribuição que a obra pode dar ao público:

Qual a importância da publicação de “Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer”?

Rodrigo Queiroz: Os quatro ensaios abordam aspectos fundamentais para a devida compreensão da obra de Oscar Niemeyer. Por se tratar de uma obra vastíssima e cercada pela ideia – dada pelo próprio arquiteto – de que “arquitetura é invenção”, a compreensão da dimensão histórica dessa obra tão importante, por vezes, acaba sendo eclipsada pelo mito da criação, da originalidade e da invenção. Na verdade, como qualquer outro grande arquiteto, Niemeyer possui um procedimento de trabalho e uma estratégia projetual que nos permite compreender o pensamento de um dos maiores nomes da arte e da arquitetura moderna.

É evidente que quatro ensaios não têm o objetivo de esgotar um tema que permite infinitas interpretações. Contudo, os ensaios aqui publicados abordam justamente aspectos ainda pouco discutidos sobre Niemeyer e sua obra.

O ensaio assinado pelo Prof. Paulo Bruna, “A obra de Oscar Niemeyer em São Paulo”, como o próprio nome já diz, discorre sobre os projetos de Niemeyer construídos em São Paulo, com destaque para os edifícios de habitação e escritórios localizados na região central da capital paulista. É possível perceber nesses projetos o apuro de Niemeyer na implantação dos edifícios, assim como a precisa relação com o contexto da cidade existente, aspectos pouco abordados nas obras de arquitetos pertencentes ao movimento moderno, invariavelmente lidos pela chave da forma abstrata que se sobrepõe ao contexto, à memória e ao tempo da cidade histórica.

Já Hugo Segawa, em “Entre dois pavilhões: a repercussão internacional de Oscar Niemeyer”, dedica-se à análise do impacto internacional da obra de do arquiteto carioca. Trata-se de uma reflexão importante pois nos permite compreender a recepção do ambiente estrangeiro à obra de Niemeyer, assim como seu reconhecimento internacional como um mito da arquitetura moderna.

Em “O espaço sagrado em Oscar Niemeyer e alguns desdobramentos na América Latina”, Ingrid Quintana Guerrero aborda os templos religiosos projetados por Niemeyer. Se uma das principais premissas da arquitetura moderna foi justamente a negação do caráter simbólico inerente à sua função, é natural imaginar que o tema do templo religioso sempre foi visto como um tabu pelo movimento moderno, principalmente pela sua vertente construtiva. Contudo, no caso das igrejas projetadas por Niemeyer, é possível diagnosticar o diálogo do arquiteto com a história do espaço religioso, seja na Igreja de São Francisco de Assis (1943), na Pampulha, cujas superfícies remetem inequivocamente à arquitetura religiosa colonial e ao Barroco; seja na Catedral Metropolitana de Brasília (1958), onde a cúpula que historicamente iluminou das igrejas, assume a escala da própria catedral; ou como na Capela de Nossa Senhora de Fátima (1958), diálogo franco com a Capela de Ronchamp, um dos mais conhecidos projetos de Le Corbusier, mestre de Oscar Niemeyer.

Laboratório de Ensaios do Centro Técnico da Aeronáutica em São José dos Campos – CTA (1947). Fonte: Hugo Segawa

Meu texto, “A revisão crítica de Oscar Niemeyer”, aborda o período de transição da obra do arquiteto, durante a segunda metade da década de 1950. Trata-se de um momento no qual o arquiteto revê o aspecto compositivo dos seus edifícios e, paulatinamente, substitui as formas carregadas de elementos acessórios por formas simplificadas, cujo contorno, na maioria das vezes, define-se pela própria solução estrutural do projeto.

A obra pode chamar a atenção de leitores não ligados ao universo da arquitetura ou é dedicado apenas a profissionais da área? Por quê?

RQ: Claro que o livro se presta como um importante conteúdo para estudantes, profissionais, docentes e pesquisadores da área da arquitetura e urbanismo. Contudo, por se tratar de um personagem de conhecimento público, e pelos ensaios fugirem, em certa medida, de uma estrutura eminentemente acadêmica, parece natural que o livro desperte o interesse de um público maior que o especializado.

 

Existe uma vasta bibliografia sobre a obra de Niemeyer. De que maneira este livro se diferencia do que já existe no mercado editorial?

RQ: Sim, há uma vasta bibliografia sobre a obra de Oscar Niemeyer. Mas devemos lembrar que a imensa maioria deles é composta por títulos que não têm como objetivo se aprofundar na análise de sua obra. Invariavelmente, são livros de grandes formatos, com ricos ensaios fotográficos, que se enquadram mais na categoria de livros de arte, os conhecidos “coffe table books”. O livro “Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer” vem, justamente, conferir conteúdo a um tema ainda muito conhecido e interpretado pela imagem.

 

Ainda há muito a ser estudado sobre Oscar Niemeyer? O que, em sua opinião, ainda merece atenção dos pesquisadores? E de que forma este volume contribui com esta fortuna crítica? 

RQ: Sim, Niemeyer ainda precisa de uma publicação à altura de sua obra. Um livro de maior fôlego, e de perfil quase enciclopédico, uma espécie de “obra completa”. O livro “Quatro Ensaios” é um primeiro passo para a devida e merecida compreensão da obra de um dos principais personagens da história brasileira e da arquitetura moderna.

 

Por que é importante conhecermos mais sobre a trajetória de Oscar Niemeyer?

RQ: Propositalmente, Niemeyer sempre reduziu a importância de suas obras com um discurso surpreendentemente despretensioso. A presença de suas obras no imaginário e no cotidiano do povo brasileiro faz desse arquiteto uma figura singular, sem paralelo entre seus pares, seja no Brasil ou no exterior. Cabe a nós, professores e pesquisadores de sua obra, sistematizar um conhecimento tão rico e vasto e fornecer as informações necessárias à compreensão do maior arquiteto brasileiro.

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