Filósofa e economista, nascida no final do século XIX, quando às mulheres era dado quase nenhum espaço no cenário sociopolítico, Rosa Luxemburgo ficou por sua militância revolucionária ligada à Social Democracia da Polônia e ao partido social democrata alemão. Militante socialista, tem ideias consideradas revolucionárias para seu tempo. Em Rosa Luxemburgo: Crise e Revolução, a historiadora Rosa Rosa Gomes examina as atas do congresso do partido (SPD), clareando para o leitor em qual contexto a filósofa e economista formula suas ideias. No volume, ela também faz um resumo das teses de Rosa Luxemburgo e das críticas e anticríticas sobre as teorias da autora que se sucederam. A seguir, ela fala sobre o lançamento para o Blog da Ateliê:
Por que seu interesse em Rosa Luxemburgo? Como ele surgiu?
Rosa Rosa Gomes: Surgiu durante a graduação, quando fiz um trabalho para uma disciplina sobre o livro que acabei estudando no mestrado, A Acumulação do Capital (principal trabalho de Rosa Luxemburgo).
Como foi o trabalho com as atas do Congresso do Partido? Como teve acesso a esse material, quanto tempo demorou para estudá-lo?
RRG: Comecei a fazer meu projeto de pesquisa para estudar a teoria econômica de Rosa Luxemburgo e a ideia era entender como ela desenvolveu essa teoria com o passar do tempo. Demorei uns meses até que encontrei digitalizadas no site alemão da Fundação Friedrich Ebert (Friedrich Ebert Stiftung) todas as atas do Congresso do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) antes da I Guerra Mundial. Protokoll des Parteitages.
Depois que comecei de fato a pesquisa primeiro me dediquei a uma bibliografia básica sobre o tema e me debrucei um ano sobre temas de algumas das atas. Apesar de ter acesso a todas, ficou claro no decorrer do processo que eu não conseguiria analisar todas, integralmente. Escolhi então aquelas que eram de anos importantes para a história do SPD, de acordo com a bibliografia, e que tinham temas de pauta relevantes também para entender o desenvolvimento do pensamento de Rosa Luxemburgo, e de sua ação política. Fiz uma seleção de temas e anos, portanto, e tudo que foi analisado encontra-se no livro.
RRG: Eles tornaram visível e concreta a ligação entre política e economia no pensamento e na atuação de Rosa Luxemburgo. Daí a importância de estudar as discussões nos Congressos do SPD e artigos publicados na época pela autora. Dessa forma, foi possível entender as motivações de Rosa Luxemburgo em sua obra econômica e o desenvolvimento de seu pensamento para chegar a essa síntese.
Lincoln Secco afirma, no prefácio, que você “refaz a ligação do que estava separado”. Como foi esse processo? Qual seu ponto de partida e sua hipótese primeira de pesquisa?
RRG: A ideia era entender de que forma, na atividade concreta, a política e a economia não se separavam no pensamento de Rosa Luxemburgo, por isso estudar as discussões no SPD que ajudarem a esclarecer inclusive os interlocutores de Luxemburgo em diversos textos. Inicialmente, iria focar em comparar a brochura Reforma Social ou Revolução? com o livro A Acumulação do Capital e entender as aproximações e diferenças. Quando encontrei as atas dos congressos, abriram-se muitos caminhos e ainda há muito a ser explorado na documentação. A hipótese era que a divisa socialismo ou barbárie sempre esteve presente na obra de Luxemburgo, como afirma Norma Geras. A leitura de outros textos como os de Michael Löwy e Isabel Loureiro apresentaram outra perspectiva. Ao fim, compreendo que há Rosa Luxemburgo vai formulando a possibilidade da barbárie ao longo da década de 1910 até que ela se apresenta inteiramente após a votação dos créditos de guerra no SPD. A pesquisa mostrou quais foram os acontecimentos históricos que levaram Rosa Luxemburgo a formular essas ideias e acho que o livro apresenta isso.
Michel Löwy escreve, na contracapa: ”a autora não deixa de criticar, em certos momentos, argumentos fatalistas ou economicistas de Rosa Luxemburgo”. Você sabia, desde o início da importância e da necessidade dessa crítica?
RRG: Não. A crítica veio ao longo da pesquisa. Rosa Luxemburgo já é muito crítica à esquerda e à direita, então, mesmo apontando problemas, tive foco nas suas contribuições para pensar o desenvolvimento do capitalismo.
Em sua opinião, a obra de Rosa Luxemburgo continua atual? O que se pode aprender com ela? Que questões atuais podem ser respondidas a partir das teorias da economista?
RRG: A teoria econômica de Rosa Luxemburgo fala sobre a expansão do capital sobre áreas não capitalistas. Em sua época uma expansão geográfica. Atualmente, ainda há espaço para isso, mas há também a expansão sobre os direitos dos trabalhadores, aumentando o grau de exploração. Mas principalmente, Luxemburgo fala do militarismo e seu papel fundamental para a manutenção desse modo de produção. Assim, sua teoria é de extrema importância para pensarmos os arranjos econômicos atuais.
As manifestações de 2013 e a atual polarização no cenário político-ideológico brasileiro podem ser entendidas à luz das teorias de Rosa Luxemburgo? De que maneira isso pode ocorrer?
RRG: A teoria econômica de Luxemburgo não pode ser desvinculada da política, e esse é um ponto central no livro. Assim, sua teoria econômica acaba por definir dois horizontes sociais, ou a revolução socialista ou a barbárie. O cenário de polarização mundial pode ser entendido como uma tentativa desesperada do capital de voltar a acumular e avançando ferozmente sobre direitos e áreas ainda não totalmente dominadas. O que gera inclusive um colapso ambiental, além do social. A teoria econômica de Luxemburgo e sua militância política, especialmente na década de 1910, alertavam sobre a possibilidade da barbárie e sua proximidade com o acirramento das contradições. A disputa continua sendo por acumular capital. No entanto, hoje, há um embate feroz com a extrema concentração da riqueza e a impossibilidade de acumular mesmo com o aprofundamento da barbárie: guerras, genocídios, miséria.
Em sua opinião, qual a maior contribuição de seu livro, em termos de pesquisa desse tema e dessa autora tão importante?
RRG: A pesquisa com as atas dos congressos do SPD, sem dúvida, é a maior contribuição do livro. É uma documentação pouco, ou nada, estudada no Brasil, também pela dificuldade da língua, mas que traz muitas informações sobre os debates internos da social-democracia alemã, o maior partido socialista da época. A partir desses debates, é possível inclusive pensar na trajetória de outros partidos de esquerda e pensar, talvez, o que não fazer.