Seleta de poemas para março

Março é o mês da poesia. Dia 14 comemora-se o Dia Nacional da Poesia, o que motiva quem ama livros a se debruçar sobre esse gênero – que é quase uma unanimidade, afinal.
Para comemorar, o Blog da Ateliê faz a seguir uma seleção de poemas de alguns dos livros lançados recentemente pela editora, e de outros que já são verdadeiros clássicos:
I
Você já leu, pediu, aqui está ele:
Marcial, famoso em todo o mundo
por seus argutos livrinhos de epigramas:
Leitor fã, você lhe deu em vida
a glória que a uns poetas é concedida
apenas quando viram cinzas.
Hic est quem legis ille, quem requiris,
toto notus in orbe Martialis
argutis epigrammaton libellis:
cui, lector studiose, quod dedisti
viventi decus atque sentienti,
rari post cineres habent poetae.
(Epigramas, Tradução Rodrigo Garcia Lopes)
Eu escrevi minha história
Eu escrevi minha história num lastro de signos,
Destituídos de enganos,
mas carregados de cadáveres disformes.
Com a pena na mão direita e o punhal na esquerda,
Fui deixando sequelas na folha em branco,
Emoldurada com quadramentos sem véu.
Eu escrevi minha história,
(com o perdão da palavra),
No intervale dos hieróglifos
Entre sombras do esquecimento.
(Nove degraus para o esquecimento, Aguinaldo José Gonçalves)
CONTORCIONISMO
Já caibo numa
Caixa de sapato
Mas o que eu queria mesmo
Era ser trapezista
(Viagem a um Deserto Interior, Leila Guenther)
Inverso
Escrever em verso
é criar ritmo até então
inexistente neste (pelo menos)
universo.
Criar consórcio
entre palavras entre
outras, divórcio.
Usar a roupa do avesso
e descobrir
ser inverso o lado certo.
Ter compromisso com o partido
do conciso e com a total falta
de juízo.
(Rumo à Vertigem ou A Arte de Naufragar-se, Wassily Chuck)
Canto do homem entre paredes
As paredes suportam meus pulsos de carne.
As paredes se encaram.
As paredes indagam seus rostos à cal
E me riem perdido além do labirinto.
A luz sobre a cabeça, os olhos entre os dedos,
O caminho dos pés no caminho nos pés:
Entre o jarro de flores e a mesa perdido.
E as paredes são uivos mais fortes que os meus.
Fui eu quem as fechou? Se fecharam sozinhas?
Sabem que eu sei abri-las. Ignoro que sei.
Ao me sonhar caminho vi que elas e não eu,
Que tenho pés, caminham.
As estantes e os quadros se erguem já como a hera
Mais espessos que a hera.
Algo que a luz chamou poeira e eu ouro, e teias
Chamou e eu chamei rios
Acorda o compromisso entre as portas e a vida.
As paredes não param. Caminham sobre mim.
Sonham que eu hei de abri-las. Ignoro mas sei.
(Viva Vaia, Augusto de Campos)
Passo à palavra
Passo
À palavra
Peço
Me refugio
Na palavra
Me alivio
Me liberto
Na palavra
Me desperto
Falo
Pela palavra
Espero
Apelo
Para a palavra
Paro
(Porta-retratos, Marise Hansen)
ACONTECEU-ME
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado.
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse la na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como ima de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo habito deste real injusto
tinha de por mais distancia entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
(Poesia É Criação, José de Almada Negreiros)
“Noturnos VIII”
Gilka Machado (1893-1980)
E noite. Paira no ar uma etérea magia;
nem uma asa transpõe o espaço ermo e calado;
e, no tear da amplidão, a Lua, do alto, fia
véus luminosos para o universal noivado.
Suponho ser a treva uma alcova sombria,
onde tudo repousa unido, acasalado.
A Lua tece, borda e para a terra envia,
finos, fluidos filos, que a envolvem lado a lado.
Uma brisa sutil, úmida, fria, lassa,
erra de vez em quando. E uma noite de bodas
esta noite… há por tudo um sensual arrepio.
Sinto pelos no vento… e a Volúpia que passa,
Flexuosa, a se roçar por sobre as casas todas,
como uma gata errando em seu eterno cio.
(Antologia da Poesia Erótica Brasileira, Eliane Robert Moraes)