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Tropicália Alegoria, Alegria: nova edição

Por Renata de Albuquerque

Publicado orginalmente ainda na década de 1970, Tropicália – Alegoria, Alegria tornou-se um dos mais importantes estudos sobre um dos movimentos culturais que mudou o Brasil. Agora o livro chega à sua 5ª edição. E, para celebrar mais este marco, o Blog da Ateliê entrevista o autor da obra, Celso Favaretto, professor e pesquisador que, em1968, graduou-se em Filosofia pela PUC de Campinas e atualmente é professor de Filosofia da USP. 

A primeira edição do livro é de 1979 e, de lá para cá, muita coisa mudou no Brasil. Em sua opinião, qual a razão do interesse pela Tropicália se manter por tanto tempo?

Celso Favaretto: O interesse sobre a tropicália deve-se ao fato de que a exposição crítica que ela efetuou das “relíquias do Brasil”- que a modernização que vinha se efetuando no Brasil naquela época não produzia modificações nas estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais tradicionais e arcaicas, antes era uma composição do arcaico e do moderno – a que Hélio Oiticica no texto “Brasil diarreia” denominou “conviconivência” – ainda é atual.  O  tropicalismo inventou uma modalidade experimental de expressão artística e  de crítica cultural que dava conta da heterogeneidade e multiplicidade cultural que caracteriza o Brasil, e da convivência das disparidades e desigualdades.

Neste momento pandêmico, importantes nomes da Tropicália – Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e outros – têm feito lives. Em sua opinião, esse tipo de iniciativa renova o interesse ou contribui para “ressignificar” a Tropicália? Ou, por outra: qual o alcance da Tropicália hoje?

CF: A presença desses artistas foi sempre contínua e atuante, sem nunca terem se ausentado das questões sociais, políticas e culturais. Não se trata atualmente de ressignificar a tropicália, porque ela foi própria de uma dada situação histórica, e hoje os termos em jogo são outros. Esses artistas nunca reivindicaram uma “aplicação” da atitude tropicalista a outros momentos históricos, no que estiveram e nisso sempre estiveram certos. A tropicália permanece como indicação do que pode ser uma inventiva modalidade de expressão artística e cultural que capta os signos fortes, os sintomas, das disfunções que determinavam e determinam uma complexa situação social e política. Digamos que permanece como um modo “exemplar” de articulação entre o artístico e o histórico, mas que não pode ser repetido e menos ainda simplesmente tomado como forma artística consagrada. É exemplo de que a resposta a uma dada situação exige a invenção de atitudes, procedimentos, operações  e efetuações com os materiais à disposição em cada momento.

A antropofagia é um dos mais importantes conceitos ligados ao tropicalismo. Em sua opinião, esse conceito continua sendo importante para entender a cultura brasileira?  Por quê?

CF: A antropofagia oswaldiana apareceu como um pensamento muito apropriado para entender a heterogeneidade e a multiplicidade da formação cultural brasileira. Valoriza, assim, a ambivalência na caracterização da originalidade cultural brasileira. Como fica claro na sua atenção à alteridade (“só me interessa o que não é meu; lei do antropófago, lei do civilizado”);  a valorização do processo cultural conjuntivo (“a floresta e a escola”). O tropicalismo valorizou e colocou nas suas produções artísticas esse processo conjuntivo e ambivalente em outra situação histórica. Reagiu às propostas em circulação de, ou valorizar a cultural “nacional” ou de sucumbir à imposição da crescente voga da indústria cultural, da chamada “cultura de massa”. Considerava que a valorização da heterogeneidade e  multiplicidade na constituição cultural seria o processo  mais condizente com a efetivação da modernidade, desde que a assimilação e a apropriação de referências culturais modernas e das  tradicionais fosse afetivada em simultaneidade. A criticidade  dessa s operações estaria, esteve, na nova maneira artística de compor, em que se articulavam todo tipo de experimentalismo artístico e  materiais culturais diversos.  Este procedimento foi desenvolvido de lá para cá em muitas direções, ora mais ora menos  eficazes  no resultado artístico e  como crítica social.

A estética Tropicalista, cheia de  cores, alegria e vibração ainda faz sentido no Brasil de 2021? Ela ainda interessa aos jovens? O que ela pode nos ensinar?

CF: O tropicalismo, como já disse, foi uma expressão artística e uma atitude cultural nascida das contradições de um momento histórico preciso, os anos 60. As condições atuais são outras, mesmo que o país não tenha avançado quanto às questões relativas às desigualdades de todo tipo. Mas a situação é outra, nesta situação toda determinada pela lógica cultural do capitalismo avançado. Não é possível uma dialetização da situação brasileira como a que punha como exigência naquele tempo, quando apesar da repressão e censura implantadas pelo golpe civil-militar de 64, ainda havia indeterminação quanto aos rumos do país; portanto havia a expectativa de um possível histórico. Hoje temos um país dominado e devastado, com a crescente erradicação da heterogeniedade e multiplicidade cultural, como possíveis da nossa história. A tropicália permanece, contudo, como  signo de que  em um momento de perigo pode surgir uma iluminação. A tropicália hoje permanece com a força de um gesto simbólico de insurgência.

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