Muito antes do Twitter, os livros
Textos curtos já eram tema de diversas obras muito antes do microblog existir
Por Renata de Albuquerque
Para algumas pessoas, o Twitter já está tão incorporado ao dia a dia que há quem nem se lembre de como era a vida sem #. Mas o Twitter, microblog que nos ensinou a sintetizar ideias, emoções e opiniões em apenas 140 caracteres, nasceu há menos de uma década, em 2006.
E, se ainda hoje há quem ache que é impossível se expressar com tão poucos caracteres, imagine antes dessa ferramenta se tornar popular? O ano era 1998 quando Marcelino Freire lançou a primeira edição de EraOdito, um livro que se propunha a revisitar os provérbios, máximas e anexins populares, redescobrindo neles (e dentro deles, inclusive visualmente) novos sentidos e significados. Signos pululam das páginas, num exercício de criatividade de quem sabe que é possível dizer mais usando apenas o mesmo e já repisado texto:
Outras vezes, em EraOdito, Marcelino “deturpa”, modifica essas frases tão comuns e nos presenteia com o inesperado:
Tudo muito curto, visual, com um poder de síntese que, se não prenunciava o Twitter, denunciava que era possível comunicar mais do que o óbvio usando apenas (ou quase unicamente) o evidente. Em 2002, EraOdito ganhou uma edição da Ateliê e, dois anos depois, Marcelino voltou a fazer muito com pouco.
O desafio, desta vez, era reunir cem histórias inéditas, de cem escritores brasileiros do século XXI, escritas com apenas 50 letras (sem contar título e pontuação). O resultado, Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século, é tão espantoso quanto apaixonante. Glauco Mattoso, Índigo, Fernando Bonassi, Ivana Arruda Leite e muitos outros provam que é possível contar uma história tão curta que cabe em um tuíte:
“- Morreu de quê?
– Gastou-se.”
(Eugênia Menezes)
Em 2009, a economia de caracteres voltou à pauta na Ateliê Editorial, com o lançamento de Orações Insubordinadas – Aforismos de Escárnio e Maldizer, de Carlos Castelo. A agudeza e ironia das frases curtas atingem em cheio problemas atuais do país: corrupção, autoritarismo, conservadorismo. A inversão de frases conhecidas desloca-nos do conforto do senso comum:
“Narcotráfico é organizado demais. Nós aqui temos anarcotráfico”, escreve o autor, conhecido também por ser letrista do provocativo Língua de Trapo.
Em outras passagens, a reflexão vem de uma ambiguidade estudada e cheia de segundas intenções:
“Temos ao menos uma coisa em comum com a Suécia: somos um país bárbaro”
Ironia pura, destilada em pouquíssimas letras, e que produz acidez no riso amarelo – e por vezes tragicômico – do leitor.
Com tantas mensagens curtas – mas complexas – em seu catálogo, a Ateliê envereda, em outubro de 2009, pelo microblog. Em abril de 2010, publica seu primeiro Tweet:
Hoje, já são quase 10 mil seguidores. E ainda há quem diga que não é possível se expressar com tão poucos caracteres…
ótimo, gostei.
Que bom! Agradecemos! 🙂