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A arte do granito

Alex Sens Fuziy

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Há mais de dez anos, as quatro paredes dos dois banheiros da casa foram cobertas de granito. São fragmentos de cores leitosas e escuras, espelhadas, placas pontudas, formas geométricas, cacos que alisam a luz do ambiente e refletem qualquer coisa de arte, de sonho gráfico, de selvageria icástica, de linguagem de um tempo duro, preso em si mesmo. Fascinam-me as pedras, seus reflexos, pigmentos, contornos, seus veios e ilhotas de cores cuja essência também se derrama em ímpeto no talento de um fauvista mais observador.

Composto essencialmente de mica, quartzo e feldspato, o granito é uma obra de arte da natureza. Em cada centímetro da rocha encontramos uma pintura. Portanto, a fascinação exercida pelas cores e pelas formas é a mesma que se rompe diante de um Monet, um Klimt, um Turner, um Ianelli. Se Elvis Presley tinha livros em seus banheiros (e ainda questiono a umidade, a evaporação da água quente dos banhos; os livros ficavam em armários fechados, atrás de portas de vidro?), em casa temos o granito para admirar enquanto o tempo passa e a luz que entra pela janelinha se acende em sol ou se eclipsa em nuvem.

Com um pouco de imaginação, faço de conta que cada granito nas paredes é um teste individual e artístico de Rorschach. Ali em cima vejo um sapato de salto baixo e quadrado; abaixo, uma arraia pálida com olhos de cereja escura; ao lado, um rosto de um olho só, azul e redondo, voyeur dos banhos; em seguida uma caveira cinza, escurecida nas órbitas pelo humor misterioso dos anfibólios; e então um quadro que lembra qualquer coisa sinistra e dolorida de Munch, como um rasgo no âmago, de onde sangra uma ampulheta negra, e depois uma reprodução quase fiel de “O beijo”, de Gustav Klimt, mas sem os amantes. Indo para a porta, há um mapa sem nomes, um lago coberto de confetes, lâminas de prata, caranguejos, uma cachalote em pleno nado de alegria, um leão castanho, um chapéu de névoa sobre um cume, um tubarão-martelo, uma encruzilhada antes de um bosque, uma menina segurando um balão, uma boneca de olhos escuros com uma fenda no nariz.

Como arte é percepção, acolhimento a partir daquilo que também nos acolhe, então o granito pode ser percebido de diferentes formas, lido como runas deixadas por um solo engenhoso, sentido como a poesia cuja estrutura e desenho são alinhados pela granulometria do tempo, da rítmica de abalos, de emoções cristalizadas. No granito encontramos universos paralelos, estáticos, e uma beleza primeva que quando não se pode reproduzir em palavras, deixamos que sedimente no coração.

 

As palavras todas - Alex

Alex Sens Fuziy nasceu em 1988 em Florianópolis (SC), vive em Minas Gerais e é escritor. Publicou Esdrúxulas, livro de contos de humor negro e realismo mágico, seguido pelo livro artesanal Trincada. Teve contos e poemas publicados em sete coletâneas e em revistas literárias virtuais, assim como resenhas de livros e críticas em sites de jornalismo cultural. Seu romance de estreia O Frágil Toque dos Mutilados venceu o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2012.

2 thoughts on “A arte do granito

  1. Calebe Morais disse:

    Diante da beleza de imagens como “uma cachalote em pleno nado de alegria, um leão castanho” e tantas outras, fiquei pensando numa crônica escrita a respeito das histórias que poderiam contar os supostos livros das toaletes do Elvis. Fiquei em suspenso com o granito de tuas tardes, noites e manhãs…

    1. Alex disse:

      Ah, as histórias dos livros do Elvis, Calebe… poderiam dar novas crônicas, um romance inteiro, as histórias deles & entre eles, o segredo úmido daquelas obras. Quem sabe… 😉 Um abraço!

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