Por Renata de Albuquerque
Eliane Robert Moraes, organizadora da Antologia da Poesia Erótica Brasileira – lançada na FLIP 2015 – conta, em entrevista, que a obra, ilustrada com desenhos de Arthur Luiz Piza, reúne desde textos anônimos até poemas de escritores consagrados, como Mário de Andrade, Olavo Bilac e Adélia Prado. A seguir, ela fez duas seleções, especialmente para os leitores do Blog da Ateliê terem uma pequena amostra do que o livro reserva a eles (e nós selecionamos alguns desenhos também).
Seleção 1: “Um pouco mais comportada, mas sem perder o tom ‘picante'”, diz a organizadora
“Por decoro”
Artur Azevedo (1855–1908)
Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;
quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando as rosas as purpúreas cores;
os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, languidos, tranquilos,
olham meu doce amor, de tal maneira,
que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.
“Seios”
Cruz e Souza (1861-1898)
Magnólias tropicais, frutos cheirosos
das arvores do Mal fascinadoras,
das negras mancenilhas tentadoras,
dos vagos narcotismos venenosos.
Oasis brancos e miraculosos
das frementes volúpias pecadoras
nas paragens fatais, aterradoras
do Tédio, nos desertos tenebrosos…
Seios de aroma embriagador e langue,
da aurora de ouro do esplendor do sangue,
a alma de sensações tantalizando.
O seios virginais, talamos vivos,
onde do amor nos êxtases lascivos
velhos faunos febris dormem sonhando…
“Soneto”
Mário de Andrade (1893-1945)
Aceitaras o amor como eu o encaro?…
…Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes moveis de banal presente.
Tudo o que ha de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade e simples, e isto apenas.
Que grandeza… A evasão total do pelo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.
“Noturnos VIII”
Gilka Machado (1893-1980)
E noite. Paira no ar uma etérea magia;
nem uma asa transpõe o espaço ermo e calado;
e, no tear da amplidão, a Lua, do alto, fia
véus luminosos para o universal noivado.
Suponho ser a treva uma alcova sombria,
onde tudo repousa unido, acasalado.
A Lua tece, borda e para a terra envia,
finos, fluidos filos, que a envolvem lado a lado.
Uma brisa sutil, úmida, fria, lassa,
erra de vez em quando. E uma noite de bodas
esta noite… há por tudo um sensual arrepio.
Sinto pelos no vento… e a Volúpia que passa,
Flexuosa, a se rocar por sobre as casas todas,
como uma gata errando em seu eterno cio.
“Epitalâmio”
José Paulo Paes (1926-1998)
uva
pensa da
concha oclusa
entre coxas abruptas
teu
vinho sabe
a tinta espessa
de polvos noturnos
(falo
da noite
primeva nas águas
do amor da morte)
“Divisamos assim o adolescente”
Mário Faustino (1930-1962)
Divisamos assim o adolescente,
A rir, desnudo, em praias impolutas.
Amado por um fauno sem presente
E sem passado, eternas prostitutas
Velavam por seu sono. Assim, pendente
O rosto sobre o ombro, pelas grutas
Do tempo o contemplamos, refulgente
Segredo de uma concha sem volutas.
Infância e madureza o cortejavam,
Velhice vigilante o protegia.
E loucos e ladrões acalentavam
Seu sono suave, até que um deus fendia
O céu, buscando arrebatá-lo, enquanto
Durasse ainda aquele breve encanto.
“Lembranças de Maio”
Adélia Prado (1935-)
Meu coração bate desamparado
onde minhas pernas se juntam.
É tão bom existir!
Seivas, vergonteas, virgens,
tépidos músculos
que sob as roupas rebelam-se.
No topo do altar ornado
com flores de papel e cetim
aspiro, vertigem de altura e gozo,
a poeira nas rosas, o afrodisíaco
incensado ar de velas.
A santa sobre os abismos –
a voz do padre abrasada
eu nada objeto,
lírica e poderosa.
Seleção 2: Que a organizadora intitula “Safadezas sortidas”
“A pica ressuscita mulher morta”
Francisco Moniz Barreto (1804-1868)
A pica o instrumento é que no mundo
Mais milagres tem feito e mais proezas2;
A pica o melhor traste e das belezas,
Mal que começa a lhes coçar o sundo.
A pica é o cão, que avança furibundo
A plebeias, fidalgas, e princesas;
A pica em chamas Troia pôs acesas,
E a Dido fez descer do Urco ao fundo.
É a pica – carnal, possante espada,
Que o mundo, perfurante, emenda, entorta,
E tudo vence, como bem lhe agrada.
A pica, ora e calmante, ora conforta;
Sendo em dose alopática aplicada,
A pica ressuscita a mulher morta.
[Não passou por essa rua]
Laurindo Rabelo (1826-1864)
Não passo por esta rua,
Que não veja esta perua,
Na porta com dois e três;
Que fodas não dá no mês
Aquele cono tão quente!
E chega a ser tão potente
A maldita da cachorra,
Que no cu sempre tem porra,
Na porta sempre tem gente!
“Ela”
Olavo Bilac (1865-1918)
Maria tem vinte amantes!
Uns tortos, outros direitos;
Todos eles são galantes,
Todos vivem satisfeitos…”
Mulher de recursos fartos!
Como é que esta impenitente,
Tendo no corpo dois quartos,
Dá pousada a tanta gente?
“Os quatro Elementos – A terra”
Vinicius de Moraes (1913- 1980)
Um dia, estando nós em verdes prados
Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa
Ei-la que me detém nos meus agrados
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa
Com face cauta e olhos dissimulados
E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza
Como se os beijos meus fossem mal dados
E a minha mão não fosse mais precisa.
Irritado, me afasto; mas a Amada
A minha zanga, meiga, me entretém
Com essa astúcia que o sexo lhe deu.
Mas eu que não sou bobo, digo nada…
Ah, e assim… (só penso) Muito bem:
Antes que a terra a coma, como eu.
“Brincadeira”
Francisco Alvim (1938-)
Debaixo da mesa –
de porquinho –
um fuçando o outro
“Poesia Pura”
Rubens Rodrigues Torres Filho (1942-)
No álbum dos nossos momentos felizes
nunca me esquecerei daquela vez
que você gozou tão gostoso, junto comigo,
lá no sofá do apartamento da Mourato
que peidou. Soltou um peido alto,
de prazer? De gratidão? E foi lindo
que aí você me olhou e sorriu encabulada.
Então peido não é amor?
Se vem do cu é menos expressão?
Mais sonoro e sincero poema
de amor, juro: estou para ouvir.
Show.
Gostei muito da antologia. Sensacional!!!
Agradeço a Eliane Robert Moraes, , a Arthur Luiz Piza e a Renata Albuquerque por divulgar essas maravilhas!!!
J Elias
Maravilhoso trabalho da queridíssima professora Eliane Robert Moraes, parabéns!
Interessante… ;))D
” Ela”, de Olavo Bilac, que li hoje com mais atenção, é excelente – ele é mesmo um grande poeta!
Muito interessante. Gostaria de saber definir Poesia erotica um genero que ainda,autonkmo suscita divides e perplrxidades.
Todos muito lindos de dá tezão