Por Renata de Albuquerque
Quem ama ler, lembra: março é mês da poesia. Mas você sabe por quê o terceiro mês do ano é considerado o mais poético deles? A razão é que em março são comemoradas duas datas tradicionalmente ligadas à poesia. Até 2015, no dia 14, era comemorado o Dia Nacional da Poesia. E, até hoje, o dia 21 de março é o Dia Mundial da Poesia.
Foi em 1999 que a XXX Conferência Geral da UNESCO determinou que 21 de março fosse considerado o Dia Mundial da Poesia, em uma ação para apoiar a diversidade de línguas existentes no mundo por meio da expressão poética. Desde então, a data é celebrada pelo mundo afora.
Já o dia 14 de março é a data de aniversário de Castro Alves, poeta romântico brasileiro, nascido em 1847, muito conhecido por sua produção poética ligada a temas como o abolicionismo e crítica social, que marcaram a Terceira Geração do Romantismo Brasileiro. Para o crítico Afrânio Peixoto, ele foi “o maior poeta brasileiro, lírico e épico”, o que por si só já justificaria a escolha da data. Castro Alves escreveu, entre outros, Espumas Flutuantes, sua obra lírica mais significativa. Entretanto, em 2015, foi sancionada a Lei 13.131, que institui como 31 de outubro o Dia Nacional da Poesia, em homenagem à data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade.
Qualquer que seja a data, entretanto, de uma coisa a gente tem certeza: poesia é fundamental para a vida. Por isso, hoje, fazemos uma seleta de poemas aqui, no Blog da Ateliê:
O “adeus” de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala
E ela, corando, murmurou-me: “adeus.”
Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
Passaram tempos sec’los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
… Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei! descansa!. . . “
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
Castro Alves, Espumas Flutuantes
DIÁLOGO A DOIS
“A Angústia, Augusto, esse leão de areia…”
(Décio Pignatari)
– A Angústia, Augusto, esse leão de areia Que se abebera em tuas mãos de tuas mãos E que desdenha a fronte que lhe ofertas
(Em tuas mãos de tuas mãos por tuas mãos)
E há de chegar paciente ao nervo dos teus olhos, É o Morto que se fecha em tua pele?
O Expulso do teu corpo no teu corpo? A Pedra que se rompe dos teus pulsos? A Areia areia apenas mais o vento?
– A Angústia, Pignatari, Oleiro de Ouro, Esse leão de areia digo este leão
(Ah! o longo olhar sereno em que nos empenhamos, Que é como se eu me estrangulasse com os olhos)
De sangue:
Eu mesmo, além do espelho.
ESPELHAR
espelho espelho meu
existe alguém mais
eu
do que
eu
?
Luci Collin, Antologia Poética 1984-2018
III
era o dia em que o sol escurecia pesaroso da morte do Senhor,
quando sem dar por mim, sem nem supor,
teu belo olhar, Senhora, me prendia.
inútil precaver-me parecia
e, desatento aos golpes de amor, segui, de mim seguro: e minha dor
na dor universal assim nascia.
achou-me amor de todo desarmado, aberta a via dos olhos até o peito,
tornado pelas lágrimas num charco.
não parece ter sido grande feito
ferir-me amor com flecha nesse estado
e a ti armada nem mostrar o arco.
CIRCE
Porque eu os amava
me encerraram aqui
nesta ilha
neste corpo
Transformo-os
no seu melhor
mas não posso beber
do meu próprio veneno
Por anos esperei
no topo deste penhasco
Ele não voltou:
ensinem-me algo do seu mundo
que eu ainda não saiba
Leila Guenther, Viagem a Um Deserto Interior
Morada
Voltei a escrever para ti
agora que me esqueceste
no intuito de regressar
à esperança que aí me levou,
onde já não moras.
Paulo Lopes Lourenço, Cinematografia
Sem Título
Ser poeta é viver em permanente estado
de(s)atenção
Que importa a luz acesa
a porta aberta
o leite derramando
no fogão?
(mas
o gotejar da torneira:
pulsação)
Fala D João 3
mais de pessoa sabe
quem de peçonha sabe
mocho a noite cobreavas
espertando os olhos da coruja
em pedra avoenga
meu gume afiara
à alva a cabeça
Évora verá