Por Renata de Albuquerque
Março é o mês da poesia. No dia 14 é comemorado o Dia Nacional da Poesia, em homenagem ao nascimento de Castro Alves. No dia 21, celebra-se o Dia Mundial da Poesia, instituído pela UNESCO, em 1999, para promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo. A data lembra da importância da diversidade do diálogo, da livre criação de ideias através das palavras, da criatividade e da inovação e tem como propósito estabelecer uma reflexão sobre o poder da linguagem e do desenvolvimento das habilidades criativas de cada pessoa. Por isso, hoje, no Blog, alguns autores da Ateliê indicam a leitura de poemas de seus mais recentes livros:
Renato Tardivo (Girassol Voltado para a Terra)
Canção
caminhava pernas fracas pisando
teclas riscando notas na terra a embalar a vida que a espe-
rava uma oitava acima, qualquer
Ponteiro
Às vezes o passado. Às vezes, o passado. Às vezes o, passado.
Ida
O medo de que o outro se apaixone como lembrança
encobridora de]
se apaixonar como lembrança encobridora
de amar a si mesmo sobre todas as coisas como lembrança encobridora do desejo de
morrer.
Ricardo Lima (Desconhecer)
p.17
admito não saber
onde anda o futuro
dedico dias inteiros
às asas cruas do filho que aprende a nadar
planto
rego
retiro ervas daninhas
a manhã traz pássaro
que se esborracha no vidro
a acácia
refletida em estilhaços
retumbante amarelo.
p.21
quando um amigo se vai
o silêncio que amplia a sala
a sirene que traga os doentes
a dor que interrompe a crença
tudo seca num vaso
olhos desertam
em contos incompletos
sobre o passo que vacila
uma árvore frondosa
na plenitude da primavera
amanhece
flor
mas o amigo se foi.
p.47
não tenho mais olhos para dicionário
as letras ficaram pequenas
o sentido frágil
agora outros compromissos
com amigos ausentes
em jantares e missa
vivo
entre livros
e árvores
em nenhum
respostas ou raposas
quase sempre um cão em silêncio
e a alma colhe
lugares
que nunca
olhei.
Marise Hansen (Porta-retratos)
Passo à palavra
Passo
À palavra
Peço
Me refugio
Na palavra
Me alivio
Me liberto
Na palavra
Me desperto
Falo
Pela palavra
Espero
Apelo
Para a palavra
Paro
Koan
Entre a poesia do dia a dia e a da filosofia
Fico com o sonho
Da padaria.
Inverso
Escrever em verso
é criar ritmo até então
inexistente neste (pelo menos)
universo.
Criar consórcio
entre palavras entre
outras, divórcio.
Usar a roupa do avesso
e descobrir
ser inverso o lado certo.
Ter compromisso com o partido
do conciso e com a total falta
de juízo.
Wassily Chuck (Rumo à Vertigem ou A Arte de Naufragar-se)
A Celan
Nessa viagem, nenhuma bagagem, além
do vazio na concha das mãos.
Deixa tua fala
para trás, tua última
máscara,
e sente
a carência de ser,
o vazio
que germina
e há de ser tua voz. Sete
sonos mais dentro, vem
um verso junto
ao mar.
Quase Elegia
Toda voz que morre escorre para o mar.
Tudo se foi, até o que virá, levado
pelo sopro que vem do mar. Mas,
só é belo o dia porque finda.
Também o vento. Também
a vida. Vê:
não há poemas no eterno. Só
nasce a beleza no instante,
que, leve, se equilibra
entre o erguer e o quebrar
da onda. Nasce
com as cores do adeus. Nasce
para morrer. Como o dia
e o homem. Como a vida. Vê:
toda beleza é triste. E um resto
de verso, ao lado da voz,
insiste em ficar, feito
um consolo, talvez,
da vida pouca que há na vida,
da morte muita que há também,
um resto de verso
consolando
da tristeza de todo verso, da vida
que nunca basta, sempre o sonho
a completá-la, o sonho
que é sempre a vida.
Tübingen
Do convés da alma, avistas vazios
que não podes nomear.
Repouso algum, sob um céu
que não mais dá frutos –
o ponto em torno ao qual
gravita o verso
agora está
no vento. Sobre
o Neckar,
a voz ainda vagueia
atrás do vento, distraindo,
sem ver, a solidão
dos campos.