Com a Palavra

Com a Palavra n.27: caminhos e desafios das editoras universitárias

A obra Editoras Universitárias Para Quê? reúne dois textos de escopo diverso e complementar, nascidos da prática editorial em importantes instituições universitárias. No primeiro, Paulo Franchetti, que durante onze anos presidiu a Editora da Unicamp, reflete sobre a história da produção estatal de livros, bem como sobre o crescimento da imprensa universitária e a constituição de público para livros técnicos e monografias eruditas.

No segundo, Plinio Martins Filho consubstancia muitos anos de estudo e atuação no campo do livro acadêmico. Depois de significativa experiência em editora de mercado, Plinio participou da reorganização editorial da Editora da Universidade de São Paulo, Edusp, que presidiu por muitos anos.

Os assinantes do Com a Palavra leem agora com exclusividade os trechos dos capítulos Edição estatal e editoras universitárias, escrito por Paulo Franchetti, e Caminhos e desafios, por Plinio Martins Filho.

Edição estatal e

editoras universitárias

por Paulo Franchetti

Do ponto de vista da edição de interesse universitário, os anos de 1930 e 1940 foram excepcionais. Grandes editoras comerciais constituíram catálogos importantes e eruditos, geralmente sob a direção de intelectuais ligados à universidade. Um caso exemplar é a editora Martins, instalada em São Paulo. Iniciando atividades editoriais em 1940, criou coleções de relevo para os estudos universitários, como a Biblioteca Histórica Brasileira, dirigida por Rubens Borba de Moraes, a Biblioteca do Pensamento Vivo e, por fim, entre outras, a Coleção Mosaico, iniciativa pioneira de livros de formato pequeno e conteúdo exigente, pensada para ser vendida a baixo preço, na qual Antonio Candido publicou Brigada Ligeira (1945).

Nesse quadro de formação de acervos de leitura em sintonia com a evolução da escolarização, um acontecimento de grande importância foi a criação, em 1937, logo após a instauração da ditadura varguista, do Instituto Nacional do Livro. Fundado com o objetivo expresso de promover a produção e a divulgação do livro no Brasil, o INL era dividido em três seções: 1. a seção da enciclopédia e do dicionário, com o objetivo de elaborar e publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário Nacional, que constituiriam as bases para a definição e a afirmação da cultura nacional e da sua língua; 2. a seção de publicações, encarregada de “editar toda sorte de obras raras ou preciosas, que sejam de grande interesse para a cultura nacional”, e ainda desenvolver ações para “aumentar, melhorar e baratear a edição de livros no país, bem como para facilitar a importação de livros estrangeiros”; e 3. a seção de bibliotecas, dedicada à criação de bibliotecas nos municípios, oferecendo a elas assistência técnica e, principalmente, livros.

Dessas três, apenas a primeira, dirigida pelo poeta Américo Facó, e contando com a consultoria de Mário de Andrade, ficou sem cumprir, nem mesmo parcialmente, seus objetivos. O projeto elaborado por Mário de Andrade não foi implementado e quando, na década de 1950, a ideia foi retomada com modificações, já não tinha força nem sentido no âmbito do novo sistema cultural, no qual a universidade – e especialmente a Universidade de São Paulo, por meio da sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras –passara a ser o lugar privilegiado na produção do conhecimento sobre o país.

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Caminhos e desafios

por Plinio Martins Filho

O que é uma editora universitária pública? Quais são os seus objetivos e funções? Quais os problemas relacionados à sua criação e continuidade? Este texto procura responder a essas questões, a partir da experiência acumulada ao longo de meio século na edição e produção de livros em editoras de mercado e editoras públicas. Embora trate dos problemas comuns às editoras universitárias, nosso foco recairá sobre as editoras de instituição pública, cujas especificidades são ainda maiores. Em primeiro lugar, porque uma editora universitária pública deve estar comprometida com a instituição que ela representa, com a produção acadêmica da universidade e com as tendências mais instigantes da produção cultural contemporânea. Tal editora também deve ser exemplo para a prática da arte de fazer livros e para o ofício da edição, abrindo suas portas aos alunos da editoração, do jornalismo e das letras.

Mais que fazer, a editora universitária deve estimular a experimentação e a inovação no campo editorial, provocando novas formas de produção, impressão e comercialização do livro. Precisa implantar ações que aprimorem o processo de seleção dos originais, a produção editorial e o projeto gráfico, além de estabelecer novas formas de relacionamento com os autores e diferentes estratégias de divulgação e distribuição. Em outras palavras, é primordial praticar todas as etapas pelas quais o livro passa até chegar ao leitor.

Atuar nessas frentes e preservar a qualidade de suas edições, em um mercado editorial competitivo e globalizado, é um dos aspectos mais interessantes do trabalho de uma editora universitária. Essa é uma das razões para ela estreitar o relacionamento com toda a comunidade acadêmica (docentes, alunos e

servidores técnicos e administrativos). É preciso incentivar a comunidade acadêmica a pensar a produção de cada livro não só como objeto singular, mas também como depositário de mais de quinhentos anos de tradição. É neste particular que reside seu maior desafio: manter e renovar a tradição a cada livro publicado. Ao cumprir seu papel, ela ensina e aprende sobre o ofício e a arte de editar livros, formando novos pesquisadores e profissionais do livro.

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