No último sábado, 7 de setembro, na Livraria Martins Fontes Paulista, aconteceu o lançamento do livro A História da Cerveja no Brasil – O Legado de Stupakoff e Künning, de Rogério Furtado e Henri Kistler.
No começo do século XIX, os primeiros imigrantes alemães chegaram ao Brasil. Camponeses, na maioria dos casos, trouxeram antigas técnicas para o preparo doméstico de cerveja. Mas foi Ignácio Rasch, pedreiro bávaro, vindo em 1824, quem inaugurou a produção comercial da bebida, em São Leopoldo, RS. Rasch abriu mercearia e nela comerciava a cerveja, fabricada em pequena instalação adjacente.
Esse modelo de indústria artesanal, acoplada a estabelecimento varejista, disseminou-se e predominou por décadas no território brasileiro. Assim, em 1831, já havia uma cervejaria no Rio de Janeiro. Também foi lá que dois notáveis pioneiros do ramo abriram negócios a partir de 1848 – Henrique Leiden e Alexandre Maria Villas-Boas. Ambos apresentaram a cerveja ao público, relacionada a várias formas de diversão.
As iniciativas da dupla tiveram enorme significado: a imagem em construção da cerveja ligada à fruição da vida jamais se desfaria. Seria reforçada pela propaganda das empresas, principalmente nos primeiros anos do século XX, quando supostas qualidades alimentares da bebida também viriam a ser exaltadas.
Mas a contribuição de Henrique Leiden para a expansão do setor cervejeiro não se resumiu à abertura da fábrica, com área de lazer e outros anexos. Em 1860, ele começou a vender cerveja gelada, com gelo importado dos Estados Unidos. Dessa forma, tornou-se o primeiro a oficiar o casamento ideal da bebida com o gelo, em uma cidade de verões tórridos. Depois, Leiden introduziu o País na era do gelo artificial, usando equipamento patenteado na França.
Na década de 1870, a produção de cerveja oriundas das pequenas manufaturas atingiria 67 milhões de litros anuais ou seja, um consumo per capita de dez litros por ano. A produção passaria a ganhar qualidade e escala em 1890, com o surgimento das grandes cervejarias como Bavaria e Antarctica, em São Paulo, e Brahma e Babylonia, no Rio de Janeiro. Esse é o início da história que culmina hoje, em que temos uma produção de mais de quinze bilhões de litros anuais e um consumo per capita de 73 litros por ano.
Vale observar que, até a década de 1890, a cerveja brasileira era de uma categoria chamada de “alta fermentação”, produzida e engarrafada em temperatura ambiente, sem rigor técnico. A qualidade da maioria das marcas era sofrível, para dizer o mínimo. Mas, uma reviravolta estava prestes a acontecer com o início da produção de outra classe da bebida – as cervejas de “baixa fermentação”, ou Lager, em geral leves e claras, hoje dominantes no Brasil e no mercado mundial. A produção e estocagem das bebidas dessa categoria exige refrigeração nas instalações fabris, o que significa investimentos consideráveis em máquinas e outros equipamentos.
O ponto central para a construção de qualquer indústria são as pessoas, em particular os empresários pioneiros. Diversos personagens como Büllow, Kremer, Leiden, Maschke, Ritter, Villiger e Zerrenner foram primordiais no processo da construção da indústria cervejeira brasileira e têm uma história que merece ser contada em detalhes. Este livro, no entanto, tem como foco central o empreendedor Heinrich Stupakoff (Bavaria) e os empresários Johann e Heinrich Künning (Brahma).
Em São Paulo, no ano de 1892, Heinrich Stupakoff e associados inauguraram a fábrica da Cervejaria Bavaria, no bairro da Moóca – um dos marcos da industrialização do Estado e do Brasil, além de ter sido a primeira cervejaria em São Paulo desenhada exclusivamente para a produção em escala de cerveja usando o método de baixa fermentação. Em 1904, Stupakoff vendeu a empresa para a Companhia Antarctica Paulista, que terminou por concentrar sua produção nas instalações da Moóca, muito ampliadas ao longo de décadas. Portanto, pode-se afirmar que a fábrica da Bavaria foi a pedra angular sobre a qual a Antarctica cresceu para tornar-se uma das líderes do mercado no século XX.
A outra grande empresa do setor era a Companhia Cervejaria Brahma, do Rio de Janeiro, dirigida por Johann Künning por mais de trinta anos, a partir de 1906. Künning foi responsável por modernizar, profissionalizar e ampliar a Brahma em setores fundamentais como finanças (sua área de origem), tecnologia de produção e recursos humanos. Sobretudo, sabia sintonizar produtos com as necessidades do consumidor, estando na vanguarda do que hoje denominamos marketing. Sob sua direção, a Brahma teve um crescimento expressivo, lançou a Brahma Chopp e o Guaraná Brahma e passou a competir corpo a corpo com a Antarctica. Johann Künning também exerceu relevante papel de liderança na Coalizão Industrial do Brasil – CIB, principal associação empresarial da época e antecessora da atual CNI – Confederação Nacional da Indústria.
Heinrich Künning, filho de Johann, comandou a Brahma de 1941 até o seu falecimento em 1967. Durante sua gestão, ocorreu uma série de aquisições, como a das cervejarias Hanseatica e Continental, e outras fábricas foram abertas pelo Brasil afora. A escala da produção cresceu vertiginosamente, assim como o consumo per capita.
Nos anos 1920, a cerveja passa a ser líder na preferência do público brasileiro, superando a aguardente. Nessa época, já estava em curso a disputa secular entre a Brahma e a Antarctica pela supremacia no mercado em todo o território nacional. O embate só terminou em 1999, com a fusão das duas companhias na Ambev.
A História da Cerveja no Brasil – O Legado de Stupakoff e Künning é o relato do trabalho de pessoas visionárias que vislumbraram a possibilidade de ajudar a construir uma grande Nação. É um livro que extrapola a dimensão puramente histórica e econômica dos fatos narrados e com rigor acadêmico os analisa, focando sob o ponto de vista empresarial. A obra foi pensada e estruturada também para servir como fonte de inspiração a todos que mergulham no ideal de empreender e gerar riquezas para o País. Ao mostrar como estes pioneiros superaram dificuldades e seguiram em frente para realizar seus projetos e sonhos, serve ainda de estímulo para os empreendedores de hoje.
Finalmente, para os amantes da cerveja, o livro fornece um retrato de como ela se tornou a bebida nacional e o surgimento e consolidação das marcas preferidas. É uma obra inédita e ricamente ilustrada com fotografias, rótulos e peças publicitárias de época.
Bela composição duma obra, reportando a chegada da Cerveja ao Brasil por pessoas tão visionárias. Parabéns ao Rogério e ao Henri pela coletânia de tantos dados históricos.