A obra Pioneiros do Rádio e da TV no Brasil são fragmentos de uma história de mais de cinquenta anos, contada pelos principais artistas e profissionais que atuaram no rádio e na televisão brasileiros nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Estas histórias entretêm, no seu formato de entrevista, e exercem o importante papel de colaborar para a preservação da memória da produção cultural do país.
Os depoimentos reunidos no livro em destaque aqui, primeiro de uma série em dois volumes publicados pela Ateliê Editorial e organizada por David José Lessa Mattos, começaram a ser colhidos pela atriz Vida Alves em 1997 na forma de entrevistas gravadas em videoteipe, cada um com aproximadamente uma hora de duração.
Vida Alves faz a todos os entrevistados uma série de perguntas como, por exemplo, Seu nome?, Os nomes de seus pais?, Onde nasceu?, Onde fez os primeiros estudos?, trazendo para o leitor um conjunto de informação íntima do entrevistado, assim como particularidades sobre a história cultural do Brasil, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Cultura urbana, associada ao processo de industrialização e modernização do país, em que o rádio, a partir dos anos de 1930, e a televisão, a partir dos anos de 1950, tiveram importante papel.
Leia a seguir um trecho da entrevista com o romancista e dramaturgo Dias Gomes, presente no primeiro volume de Pioneiros do Rádio e da TV no Brasil. Na mesmo obra, também constam os depoimentos de Álvaro de Moya, César Monteclaro, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), Lima Duarte, Marcos Rey e Walter Avancini.
“JÁ NASCI DESTINADO AO TEATRO”
VIDA ALVES: Então, vamos falar sobre teatro.
DIAS GOMES: Teatro é a minha vida. Comecei a escrever para o teatro nem sei por quê. Aos quinze anos escrevi uma peça, sem nunca ter assistido antes a um espetáculo dramático. Tudo o que sabia de teatro estava relacionado com ópera. Minha mãe gostava muito de ópera e me levava sempre ao teatro para assistir aos grandes aos grandes espetáculos. Quando era garoto, assisti a quase todo o repertório operístico do Teatro Municipal. Então, como dizia, aos quinze anos escrevi meu primeiro texto teatral, uma comédia intitulada A Comédia Dos Moralistas. Daí em diante, minha ligação com o teatro não tem uma explicação racional, até porque não tive nenhuma influência na família, ninguém de minha família tinha ligação com o teatro. Meu irmão era poeta e entre meus antepassados não havia nenhum escritor de teatro. Meu antepassado mais remoto, no século XVIII, em Portugal, não houve nenhuma razão familiar que me levasse a escrever para o teatro. Antes dos meus quinze anos, quando escrevi meu primeiro texto teatral, só havia lido uma peça de teatro, A Noite dos Reis, de Shakespeare, que meu irmão tinha me dado de presente. E a peça que escrevi não tinha nada a ver com Shakespeare, não tinha grandes pretensões dramáticas, era apenas uma simples comédia de costumes. Desse modo, acho que, inexplicavelmente, já nasci destinado ao teatro.
VA: Por que você teve tantas peças teatrais proibidas?
DG: Porque faço parte da geração de dramaturgos dos anos 1950 e 1960, uma geração que, apesar das diferenças ideológicas, tinha algo em comum, ou seja, nós, dramaturgos daquela época, tínhamos em comum a compreensão ou a visão de que o teatro brasileiro só poderia ser construído a partir do questionamento da nossa realidade. Os autores surgidos nesse período, como Ariano Suassuna, Jorge Andrade, Vianinha, Guarnieri etc., tinham isso em comum. Quando veio o golpe militar, em 1964, a própria realidade brasileira passou a ser considerada como um tema em si mesmo subversivo. Para os militares no poder, questionar a realidade brasileira significava questionar o regime. Então, evidentemente, nós, que fazíamos esse tipo de teatro, fomos banidos, fomos considerados inimigos públicos do regime. Depois disso, vieram as proibições de nossas peças e a imposição, por parte da ditatura militar, de um modelo de teatro que não questionava nada e, por isso mesmo, não incomodava. Foi assim que os militares acabaram com um importante surto de dramaturgia surgido justamente nos melhores anos do nosso teatro, que foram os anos 1960.
VA: Vamos enumerar algumas dessas peças.
DG: Minhas?
VA: Sim.
DG: Bem, esse período começa com O Pagador de Promessas, A Revolução dos Beatos, O Santo Inquérito, O Berço do Herói e, mais adiante, Vargas, O Rei de Ramos e também A Invasão, que foi escrita um pouco antes. Em todas essas peças há uma tentativa de questionamento da nossa realidade, uma tentativa de caracterização do nosso povo. Enfim, trata-se de um teatro que toma por base a própria realidade brasileira. Por isso, na época era considerado um teatro inimigo do teatro permitido pelo regime militar.
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Este primeiro volume da série reúne alguns dos cerca de cem depoimentos de artistas e profissionais que atuaram nas emissoras de rádio nos anos 1940 e na televisão, nas décadas de 1950 e 1960, muitos deles tendo participado da inauguração em São Paulo, no dia 19 de setembro de 1950, da PRF-3 TV Tupi-Difusora, primeira emissora de televisão do país. O leitor poderá ler depoimentos de Álvaro de Moya, César Monteclaro, Dias Gomes, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), Lima Duarte, Marcos Rey e Walter Avancini.
Este segundo volume da série reúne alguns dos cerca de cem depoimentos de artistas e profissionais que atuaram nas emissoras de rádio nos anos 1940 e na televisão, nas décadas de 1950 e 1960, muitos deles tendo participado da inauguração em São Paulo, no dia 19 de setembro de 1950, da PRF-3 TV Tupi-Difusora, primeira emissora de televisão do país. O leitor poderá ler depoimentos de Abelardo Figueiredo, Antonino Seabra, Eneas Machado de Assis, José Blota Junior, Lia de Aguiar, Murilo Antunes Alves e Tatiana Belinky.
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DAVID JOSÉ LESSA MATTOS nasceu em São Paulo, em 1942. Na década de 1950, teve participação intensa como ator infantojuvenil nos teleteatros da TV Tupi-Difusora de São Paulo. Em 1964, ingressa no Teatro de Arena de São Paulo, participando como ator das montagens de “O Tartufo”, “Arena Conta Zumbi” e “Arena Conta Tiradentes”, com direção de Augusto Boal. Em 1968, já formado em Ciências Sociais pela USP, segue para Paris como bolsista do governo francês. Lá, licencia-se em Sociologia e realiza o mestrado em Sociologia da Cultura na Universidade de Paris X-Nanterre. Em 1974, de volta ao Brasil, torna-se professor de Sociologia e Política na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Em 1975, ingressa na Unicamp como técnico docente de pesquisa. Em 1978, retoma as atividades artísticas, atuando por algum tempo como ator no teatro, na televisão e no cinema, particularmente nos filmes dirigidos por seu velho amigo, o cineasta Roberto Santos. Em 1984, retorna à vida universitária. Atualmente é professor aposentado do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
VIDA ALVES nasceu em 1928 e foi atriz, autora e apresentadora brasileira, pioneira da televisão no país. Fez parte de uma importante geração de atores e atrizes que iniciaram com a rádio, atuando em radionovelas e seguindo para as telenovelas. Como escritora também foi muito importante para a televisão, tendo escrito Tribunal do Coração, transmitido em 1952 pela TV Tupi. Em 1995, fundou a Associação dos Pioneiros da Televisão Brasileira (Apite), que mais tarde veio a se tornar a Pró-TV, e que tem como objetivo preservar a memória da televisão brasileira. Ela presidiu a Pró-TV até seu falecimento, em 2017.