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Livro 7/8: Revista do NELE traz dossiê sobre museus e bibliotecas

Museus e bibliotecas: lugares de resistência diante de uma realidade de fake news em que certa parcela da sociedade negligencia o saber acadêmico. Esta é a forte mensagem que traz a Revista LIVRO 7/8, publicação do NELE: Núcleo de Estudos do Livro e da Edição.  Editada por Marisa Midori Deaecto e Plinio Martins Filho, a edição traz a participação de diversos nomes importantes, como Lincoln Secco, Ana Cláudia Suriani da Silva, Jean-François Delmas, Andrea De Pasquale, Thiago Lima Nicodemo, Frédéric Barbier, Fiammetta Sabba, María Luisa López-Vidriero Abelló, Carlos Zeron, Christophe Didier, Carolina Bednarek Sobral e Fabiana Marchetti.

Para falar sobre a publicação, Marisa Midori Deaecto respondeu a perguntas do Blog da Ateliê:

 As “ondas fascistizantes” não parecem ter cessado. Neste contexto, qual a importância de uma publicação como a LIVRO 7/8? O livro ainda é uma forma de resistência? 

Marisa Midori Deaecto: Por um desses mistérios insondáveis, sim, o livro é símbolo e meio de resistência. Digo “insondável” porque, malgrado todas as análises e possíveis respostas, ainda me espanta essa questão: por que, após milênios, os livros continuam a ser alvo de tantas destruições e desconfianças? Outro dia, foram os livros censurados no norte do país; antes, os livros rasgados na biblioteca da UnB; os livros censurados pelo Deops; os livros queimados; as bibliotecas negligenciadas; os livros e a leitura, na fala do presidente, desqualificados… Ora, um objeto que consegue manter uma aura de resistência tão forte e, ao mesmo tempo, portador de uma linguagem universal, pois estou a falar do objeto e não de seus conteúdos, merece uma publicação que cuide de sua natureza, de sua história, de suas múltiplas formas de apropriação. Esta é a nossa resistência.  

Qual a importância de museus e bibliotecas neste cenário? 

MMD: A cultura é o corpo e a alma de uma nação. Um corpo são se manifesta por instituições sãs, ou seja, dirigidas por profissionais qualificados, com infraestrutura condizente com a importância, a coerência e os usos que delas se faz, tanto da parte do poder público, quando do cidadão. E a alma é tudo o que a comporta. São as manifestações de um povo, em diferentes esferas de sua existência, em múltiplos campos de atuação e em todos os setores da sociedade. Por isso a cultura deve ser universal. Museus e bibliotecas constituem, nesse sentido, instituições vitais para a inteligência e a salvaguarda da memória das sociedades. Notemos que os Estados nacionais, desde que se configuraram como Estados fortes, na época moderna, investiram pesadamente em suas bibliotecas e museus. No século XIX, bibliotecas operárias, bibliotecas de associações de classes ou de agremiações formadas por imigrantes, mulheres, entidades públicas se proliferaram por todo o mundo. Isso porque a humanidade se deu conta de que é preciso nutrir a alma para transformar o mundo. É a nossa herança iluminista que nos conduz a resistir contra as trevas, sempre. Donde a importância de se refletir sobre as funções e os múltiplos significados das instituições de cultura hoje e sempre. 

Quais foram os pilares para escolher e reunir os textos contidos nesta edição? Sob que tema(s) eles estão reunidos? 

MMD: A revista LIVRO procura funcionar como um sismógrafo. Ela capta os possíveis abalos que acontecem na sociedade brasileira e, de forma mais ampla, no mundo. E, a partir daí, buscamos os materiais. Às vezes, recorremos a parcerias internacionais, noutras, optamos por produções nacionais. No próximo Dossiê, LIVRO 9 vai pautar a questão da leitura no Brasil, sob diferentes matizes. O título é uma provocação: “E por falar em leitura… onde andas vocês, leitorxs?”. 

João Condé é um dos temas da LIVRO 7/8. Qual a importância dos colecionadores em um momento em que o livro digital ganha espaço? 

MMD: Temos insistido na luta pela preservação e guarda de acervos formados por particulares pelas instituições públicas. Isso é patrimônio nacional. As bibliotecas de Rubens Borba de Moraes e de José Mindlin, reunidas na BBM, são um patrimônio inconteste, felizmente acolhidos pela USP. O mesmo se pode dizer de outros acervos, como o de Mario de Andrade, Ian de Almeida Prado, para citar apenas dois exemplos de peso da riquíssima coleção do IEB. E eu citei apenas duas instituições pertencentes à Universidade de São Paulo. Há muito mais! É preciso pensar que a USP conformou essas coleções porque não se acomodou ao discurso conformista e, não raro, falacioso, da falta de espaço para armazenar os acervos, ou dos gastos “exorbitantes” para a higienização e catalogação das coleções. Esses argumentos são, antes, um sintoma de uma crise dos paradigmas, que tem esvaziado os projetos e as políticas de preservação do patrimônio nacional, do que exatamente uma questão de infraestrutura. Em um passado não muito distante, alguns gestores de arquivos e bibliotecas acreditaram que era possível armazenar tudo em microfilmes e descartar o papel. Hoje se pensa o mesmo sobre a digitalização. E amanhã, nós depositaremos toda a nossa história e nossa memória em quais bases de dados. Já atingimos as nuvens, mas, e daí. Nossa universidade não tem cem anos e corre os risco de desperdiçar acervos importantíssimos, que poderiam fazer dela a maior guardiã da memória e da história nacional. Eu me pergunto se as universidades europeias operam com essa mentalidade do descarte. E quando penso no rico acervo de Yale, nos EUA, eu me pergunto: teriam eles cessado as políticas de aquisição e de recebimento de doações? Não podemos desistir. Não temos o direito de nos acomodar. Do contrário, estas coleções vão parar em instituições estrangeiras. Ou, o que é pior, elas podem se dispersar nos leilões e nos alfarrabistas de todo o mundo.  

Jean-Yves Mollier fala, na publicação, sobre a “Invasão das Fake News”. Este é um tempo em que esta invasão é inevitável, em sua opinião? 

MMD: Sim, é inevitável e compromete as democracias, porque transforma o debate público em um poço de mentiras. Quando convidei o prof. Mollier para fazer uma conferência sobre este tema, no IEA, eu pensava justamente na importância de se debater as fake news na esfera política e, nesse ponto, creio que o caso Dreyfus, na França da virada do século XIX para o XX, foi paradigmático. Mas, como diz um grande historiador, Lucien Febvre, a história é a ciência do presente. 

A Profa. Jerusa Pires Ferreira faleceu durante (ou logo imediatamente após) a conclusão desta edição. Qual foi sua contribuição para a LIVRO 7/8? 

MMD: Jerusa era uma bússola, com a diferença que o seu ponteiro sinalizava para todos os sentidos, antes, é claro, de ela finalmente nos apontar o seu norte. Jerusa comentava temas relevantes que poderiam entrar na revista, indicava autores, como no caso de Jacques Migozzi, para o último número, desenhava questões, imaginava soluções e, o que é mais importante, sabia transformar tudo isso em tertúlias muito aprazíveis. A LIVRO terá sempre a presença, o norte da Jerusa.   

Quais serão os próximos desafios da LIVRO? 

MMD: Cada número de LIVRO é uma história e cada número é um desafio. Editar uma revista é tarefa complicada, meus colegas editores de revistas bem o sabem. Mas, como disse, a revista é um veículo vivo, ela é um sismógrafo! Já antecipei o tema do Dossiê e, no mais, é ver para crer! 

Há alguma curiosidade ou bastidor interessante sobre a revista que se possa compartilhar com os leitores do Blog?

MMD: Há dois aspectos curiosos que eu gostaria de contar: o Dossier Museus-Bibliotecas antecipou a versão italiana, que se encontra na gráfica. Eu o organizei em parceria com Andrea De Pasquale, diretor-geral da Biblioteca Nacional de Roma. Ele é um grande amigo, mas uma pessoa difícil. Não queria que a publicação brasileira saísse antes, então, esperamos. Mas, como estávamos muito atrasados e, ele também, disse para que a nossa revista teria data de lançamento. Ele ficou bem contrariado, mas, agora, parece que está tudo bem. Estamos aguardando o volume italiano, com os mesmos artigos. O artigo de István Monok, diretor do arquivo e biblioteca da Academia de Ciências da Hungria, foi feito sob encomenda nossa. A instituição mantém a guarda do arquivo de Lukács e o mundo estava escandalizado com a suposta dilapidação do acervo. Eu contei isso pra ele e, poucos dias depois, recebi o artigo que dava conta dos projetos de preservação e guarda do fundo Lukács. Ele queria, enfim, dissipar essa ideia que se propagou de destruição do acervo desse grande filósofo do século XX. E isso se deu, certamente, porque a Hungria vive, hoje, uma conjuntura política muito complicada, não muito diferente da nossa. Mais uma prova de que a cultura continua a ser um foco de resistência vital. 

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